O dia começou como qualquer outro: em um inverno abaixo de zero, após um Natal sem muitas aventuras — afinal, era só eu e meu pai, sentados em volta de uma mesa, tomando vinho, que eu só era autorizada a tomar em sua companhia, e trocando presentes. Uma sexta-feira comum, como qualquer outra nesse recesso. Meu quarto estava preparado para a chegada de um novo hóspede — já que sr. Ares Rayleigh não esperava um hóspede tão cedo naquela cabana — havia um futon japonês coberto com um edredom acinzentado sob a minha cama — suspensa em um mezanino — e a metade direita do meu guarda roupa estava vazia, magicamente estendida por meu pai, para que Morpheu pudesse guardar suas coisas durante sua estadia aqui.

Imaginava que o irlandês iria pra Castelobruxo comigo, no início do ano que vem. Não entendia muito bem o que havia acontecido, mas teria algum tempo para perguntar e conversar sobre o motivo de ele ter fugido de casa.

Suspirei e sentei-me na cama, deixando o cobertor cair em meu colo e respirei fundo, esticando os braços acima da minha cabeça para me espreguiçar, para, só então, descer da minha cama e fui preparar nosso café da manhã. Era cedo, o clima era frio, a temperatura era abaixo do zero e o lago Bled estava congelado logo ali na frente. O sol não havia nascido ainda, e, como todo café da manhã alemão, esse seria servido bem cedo.

De meias e com o celular em mãos, arrastei-me pela Cabana Pouso da Coruja até a cozinha, amarrando um avental nas minhas costas e no meu pescoço. Coloquei uma panela cheia de água no fogão, acendi o fogo e deixei a água fervendo, enquanto tirava os ovos que colocaria para cozinhar, apoiando-o num prato em cima da bancada. Coloquei duas fatias de pão de centeio em uma torradeira elétrica e coloquei água e pó de café na cafeteira, ligando-a para fazer o precioso café do meu pai.

Quando a água ferveu, coloquei os ovos para cozinhar, ligando o timer do meu celular — 4 minutos e meio, o tempo perfeito de cozimento do ovo — e tirei as torradas da torradeira, arrumando-as em um prato, coloquei a mesa: os potes de geleias — morango e frutas vermelhas — o leite e meu cereal.

Meu celular apitou e eu corri para tirar o ovo do fogo, escorri a água e molhei-o com água fria, colocando-os em duas tacinhas menores, botando-as na mesa, ao lado dos pratos com as torradas junto a colheres de chá. Ainda coloquei dois pratos e um prato fundo na mesa, com dois copos e uma jarra de suco de laranja, feito no dia anterior.

Quando tudo estava devidamente preparado — e eu sabia que meu pai tinha que ir cedo para o trabalho no Brasil — peguei meu celular, com fones de ouvido, sentei-me do meu lado da mesa, e comecei a ver uma das séries que ficaram famosas por aí. Coloquei um copo de suco para mim e o beberiquei enquanto assistia ao episódio.

Quando meu pai desceu e eu sorri para ele, sentindo seus lábios em minha testa, e, então, começamos a comer.

— Me explique, de novo, por que você foi trabalhar no Brasil. — disse, em determinado momento, enquanto comia meu cereal, depois de comer o ovo e terminar de tomar meu suco. Mordi o lábio, brincando com a colher em meu prato, arrastando-a no fundo da porcelana, fazendo um barulho quase irritante. — Você vai mudar toda a nossa vida por causa de política? Eu tenho que ir pra Castelobruxo por causa de política?

Suspirei com sua resposta e terminei de comer o cereal. Um silêncio pesado pairava na mesa, olhando para meu prato, então me levantei, tirando minha louça e colocando-a na pia. Ele me deu um beijo na testa, e colocou seu prato junto com o meu, despedindo-se e eu sorri, dando-lhe um beijo na bochecha.

Terminei de lavar louça e comecei meus outros afazeres na cabana. Tínhamos um elfo para fazer algumas coisas — principalmente cuidar dos cachorros e dos arredores da casa, mantendo a vegetação em volta do lago Bled sempre limpa e arrumada — mesmo assim, eu gostava de ajudar com alguns dos afazeres domésticos. Jiggly, a elfa que nos ajudava, cuidou de mim durante a maior parte da minha vida, então gostava de fazer alguns mimos para ela, de vez em quando, dessa vez, coloquei uma fatia de pão esquentado na torradeira com manteiga e geleia de morango — seu preferido — e uma caneca de leite quente.

Esfreguei as mãos, tentando me esquentar um pouco mais.

Horas depois...
18h

Eu estava arrumando a sala pela quinquagésima vez, rearrumando as almofadas no sofá em estofado creme, passando o espanador nos livros e nas estantes, um pano para deixar a madeira sem quaisquer grãos de poeira. E nem sabia de onde vinha essa agonia, ansiedade, para a chegada do menino. Eu nem sabia quem ele era, não sabia se ele era legal, por quê?

Respirei fundo, pegando um dos livros da estante e passando a mão na capa, nas palavras em alemão em uma tinta dourada.

Pelo menos eu não estaria sozinha, indo para Castelobruxo. Eu não estaria mais sozinha naquela casa. Não teria que… Que aprender sozinha. Guardei o livro em seu devido lugar e suspirei, sentando-me no sofá, novamente, acomodando-me entre as almofadas e fechando os olhos, jogada no sofá.