17 anos, 25 de Julho de 2013
Já havia se perdido dos primos, afinal, eram muitas atividades apresentadas no Festival das Caiporas. O menino procurou Bianca de um lado para o outro, assim como, seu irmão Tiago. Damon já não dava notícias há tanto tempo, Sage sentia falta dele. Percebendo-se sozinho em meio ao tanto de pessoas no festival, o menino tentou achar algo para fazer. Suas roupas mal cabiam nele, estava sempre aumentando de tamanho. Já tinha tentado de tudo: dietas, ficar sem comer, mas nada parecia ajudar ele. Conforme aumentava, as piadas dos outros pareciam ficar piores. Dentuço, baleia, rolha de poço, esses eram um dos muitos apelidos que usavam para definir o jovem. Percebeu algumas meninas passando perto a ele, dizendo:
- Gente, como será que ele vive? Deve ser triste ser tão gordo assim. - As três serviram juntos. Por já estar acostumado com comentários como aquele, Sage apenas tentou ignorar.
Seus passos o levaram até uma pequena tenda armada na parte central do evento. "Descubra seu futuro", assim dizia os escritos numa placa de madeira, devia ter sido pintada a mão. O garoto entrou na pequena tenda vermelha. Lá, sentada e trajando vestes extravagantes, estava uma cigana:
- Gostaria de saber seu futuro, filho? Venha, sente-se! - Sua voz era doce, mas foi quase uma ordem. Sage sentou na cadeira minúscula, sentiu-se apertado pelas laterais. Ele era grande demais para o objeto. A cigana pareceu não ligar para aquilo, ela era uma das poucas que não ligava. O menino ficou olhando da mulher para a mesa, existia um baralho colorido lá.
- Vamos, corte o baralho. - O menino pegou as cartas, usou todo cuidado que poderia ter. Ele embaralhou as cartas, posteriormente as devolvendo a mesa.
- Agora corte em três montes. - A cigana bateu as duas mãos. Sage a obedeceu, dividiu as cartas em três pilhas.
A mulher puxou as três cartas em destaque, ainda viradas para baixo. As virou lentamente, revelando as paisagens desenhadas nas cartas. Sage não sabia o que aquilo significava, questionando a cigana:
- Eu não entendo, senhora. O que significa? - A mulher permaneceu em silêncio por algum tempo, até que começou a falar:
- Sua mãe já se foi, não é? - O menino assentiu com a cabeça. Não lembrava dela, era bastante novo quando Carmem partira daquele mundo. No entanto, imã parte dele se sentia incompleta sem ela. Havia a Tia Anastácia, e ela era boa, muito boa. Todavia, Sage sentia a ausência de Carmem.
- Se sente sozinho, mesmo estando rodeado de pessoas. Acredite, há muitos que passam por isso, filho. Todos nós, em nossos próprios mundos, lidamos com uma dor que só nós somos capazes de entender e sentir. Está no último ano da escola, se sente perdido. Mas eu vejo algo aqui, uma grande mudança. Você vai atravessar o oceano, vai para bem longe. Eu não sei como, mas vai. Eu vejo que seu maior defeito, é também sua maior qualidade. Se doar demais, tentar ajudar a todos. Você tem a síndrome do Atlas, acredita ser capaz de carregar o mundo e suas dores nas costas. Acho que é isso que vai te levar ao seu destino: A vontade de mudar o mundo.Sage permaneceu calado, ela havia acertado tudo quanto ao seu lado emotivo. Estava no sétimo ano, logo estaria deixando Ilvermorny, e sabia que não queria viver para sempre na casa dos tios. Queria sua independência, gostaria de ser bem sucedido em algo. Mas, acima de tudo, queria trabalhar com pessoas, ajudando-as a mudar suas realidades. Ainda no silêncio, Sage acompanhou as palavras dela:
- Você se sente subestimado demais, tem uma extrema necessidade de provar o seu valor. E você vai. - Subitamente, eis que a mulher calou-se. O menino ajeitou os óculos de lentes extremamente grandes. Queria fazer uma pergunta, mas estava com vergonha, mas, mesmo assim, fez: -
Moça, eu vou namorar alguém? Vou achar alguma pessoa que goste de mim? - Um sorriso brando surgiu nos lábios da outra figura.
- Ainda há muito para ser vivido, minha criança. Por que não vai e vive? De todas as perguntas, essa eu não posso responder. O futuro, em certas questões, também é nublado para mim. - Ele assentiu com a cabeça, aceitou de bom grado a pergunta dela. Retirou dinheiro do bolso e colocou em cima da mesa:
- Obrigado, foi uma boa conversa, senhora. - A cigana olhou para o menino desajeitado, continuou com sua expressão leve:
- Apenas viva. Quem sabe, algum dia, você não volta aqui? - Sage concordou. Deixando a tenda da mulher, eis que encontrou Bianca. A Menina puxou ele pela mão:
- Vem, quero te apresentar uns amigos. - Ele tentou rir, mas ainda tinha medo das pessoas. E como tinha.
Festa das Caiporas, Julho de 2020
O rapaz olhava fixamente para a tenda da cigana, a mesma que havia visitado há sete anos atrás. A mesma placa de madeira estava pendurada na entrada. Sage viu uma garota de longos cabelos pretos sair de lá. Lembrou-se da conversa que teve com a cigana, ela tinha acertado exatamente tudo. Ali estava ele, formado em relações internacionais bruxas, havia cruzado o oceano, levou anos trabalhando humanitariamente, na África. E, mesmo que o tempo tivesse passada, ainda nutria o mesmo defeito e a mesma qualidade. Sage vestia roupas leves de cigano, uma calça verde folgada, bem como, um longo manto azul, este deixando parte do seu tórax a mostra. Apesar de ter mudado o corpo, ainda tinha questões sobre ele. Alguns braceletes de ouro, e uma leve camada de lápis escuros ao redor dos olhos.
Decidiu ir até a tenda, guiou seus passos para lá. Ao entrar no lugar, a fumaça de um incenso percorreu por suas narinas. Era um cheiro doce e agradável. Ao mirar os olhos da mulher, logo a conheceu. Ainda era a mesma cigana do passado:
- Olá! - Disse com a voz grave e mais séria. Os olhos da mulher se estreitaram para ele:
- Eu conheço você. Esteve aqui há uns sete anos, estou certa, querido? - Sage acenou positivamente com a cabeça. A cigana apontou a cadeira para que ele se sentasse. O rapaz foi até a cadeira e se acomodou. Olhando para ela, Torres questionou:
- Como ainda lembra de mim? - Ela deu uma alta gargalhada:
- Eu lembro de cada pessoa que já atendi. Seu corpo e aparência podem ter mudado, mas o seu coração ainda é o mesmo. Eu vejo. Eu disse que você voltaria.- É, a senhora disse. Na verdade, a senhora acertou em tudo que me disse. Eu cruzei o oceano, estudei relações internacionais bruxas, trabalhei humanitariamente no Malawi, África. - Enquanto falava, a voz de Sage, apesar de grave e séria, tinha um pouco de nostalgia.
- Conheci a dificuldade do ser humano, uma que é bem maior que todo ou qualquer problema que já tive. Foi o que me fez atrair mais responsabilidades para mim do que eu deveria. - Na expressão da mulher, por sua vez, havia ternura e uma pitada de orgulho. A mão dela se colocou por cima da de Sage, em cima da mesa:
- O Atlas… Não importa onde vá, ele sempre será uma parte de você. Você cresceu, se tornou um bom homem. Eu sabia que isso iria acontecer. - Torres olhou com afeto para a senhora a sua frente. Ele não disse nada, apenas ficou a ouvir.
- Provavelmente vai me perguntar a mesma coisa que me perguntou quando esteve aqui há sete anos…Em negativa com a cabeça, Sage apenas disse:
- Na verdade, não. Eu não sei se acredito muito nesse amor que eu acreditava há sete anos atrás. Eu acredito no amor fraternal, aquele que nos move em empatia e vontade de ajudar os que mais precisam. Acredito no amor que eu tinha pela tribo em que vivi na África, no amor que senti pelas pessoas que ficaram no caminho. Guardo todos eles com carinho, pois me inspiraram a ser alguém melhor. - Os olhos da cigana marejaram um pouco, ela estava realmente comovida pelas palavras do rapaz:
- São palavras bonitas, eu não esperaria menos de alguém com tanta luz. Mas, ainda que não me pergunte, eu vou dizer. Há alguém no seu caminho, eu não posso dizer quem ou quando virá. Mas posso dizer que vai te fazer viver todas as sensações que você esperava viver no passado. Será como um lindo sonho adolescente. - O peito de Sage palpitou por um instante, seu velho eu, aquele garotinho deslocado e assustado, adoraria ouvir aquelas palavras. No entanto, ele agora era mais duro, ao menos em sua expressão.
- Quem sabe você não descobre hoje?Sage apertou a mão da mulher com certa delicadeza no toque:
- Antes eu me incomodava por ser o garotinho que jamais seria beijado, agora, depois de tanto tempo, esqueci-me de como é se importar com algo assim, quando se tem a fome, e a desigualdade em tantos cantos desse mundo vasto. Como diria o saudoso Chico Xavier: A cada pouquinho do paz que eu levo para uma pessoa, me vale a paz que nunca foi minha. Eu agradeço por vossas palavras, vou guardá-las. - O rapaz depositou um beijo nas costas da mão da cigana e se levantou da mesa. Ao dar as costas para a mulher, ela o chamou:
- Ei, eu tenho uma coisa para você. - Ela levantou de sua mesinha, foi até o rapaz bem mais alto.
- É uma medalhinha que eu tenho desde minha mocidade. - A cigana entregou um pingente que aparentava ser de ouro. Depositou o objeto na mão de Sage, fechando-a.
- É Oxum, a orixá da beleza e do amor, também das riquezas. - Ela deu uma breve risada.
- Desde que você veio aqui pela primeira vez, branda e mansa como só ela, escutei ela cantar ao meu pé do ouvido. E era uma cantiga linda. Às vezes, por mais feio que as pessoas digam que somos, a beleza que vale, a que realmente importa, é a daqui. - A cigana tocou no coração do maior. - Oxum tem um plano para sua existência, bem maior do que qualquer um que você possa ter.
Ele pensou em não aceitar aquele presente, no entanto, seria de tamanha grosseria para com a senhora. Sage guardou a medalhinha no bolso da calça, já ia retirando algum dinheiro da carteira. A mão da cigana o parou:
- Isso não foi uma consulta, foi uma conversa de duas almas amigas. Volte quando precisar. Você vai voltar, eu sei que vai. - Ela sorriu para o rapaz, ele apenas disse:
- Obrigado pelo presente, guardarei com carinho.Sage deixou a tenda e olhou ao redor, passou a procurar por alguém conhecido, preferencialmente a prima, Bianca, que segundo Tia Anastácia, estava por ali em algum lugar. Enquanto caminhava pelo festival, três mulheres passaram e o olharam por completo. Deu para ouvir quando elas disseram:
- Nossa, que gato! Esse é o meu sonho de consumo. - Sage respirou profundamente, foi como se visse o contraste entre as garotas que riam dele no passado, com aquelas moças que o elogiaram no presente. Parada próxima de uma barraquinha de comida, lá estava Bianca, sua prima. O primo se aproximou dela, foi lentamente até Bianca:
- Olá prima, como vai? - Disse ao emparelhar-se ao seu lado. Sage cruzou os braços fortes em frente ao corpo.
- Espero que esteja bem. Trouxe isso para você. - Da bolsinha lateral que usava, Torres tirou uma bela rosa amarela. Entregou na direção de Bianca.