Para uma criança, existe coisa melhor do que passar o dia todo correndo e brincando com os amigos? Para mim, não. Não havia vida melhor e, sinceramente, eu não conseguia entender o motivo dos adultos sempre se afastarem de sua família, arrumarem empregos e blá-blá-blá. Pra que emprego? Ta aí outra coisa que eu ainda não consegui entender muito bem. Você deve estar se perguntando: ta, mas quem é você? Eu respondo: sou a Cassie.

"Foi essa a educação que eu te dei, Cassandra?" É o que minha mãe estaria me perguntando agora se ela estivesse participando dessa conversa. Ah! Cassandra é como ela me chama quando tá brava com alguma coisa. E se algum dia você a ouvir dizer Cassandra Abbott Medeiros, se esconde. É sério, foge. Agora, voltando ao ponto antes que mamãe entre, de fato, na conversa: oi, tudo bem? Eu sou a Cassie, prazer em conhecer você, qual o seu nome? Educada, né? É, eu sei. Então, como eu ia dizendo, para mim não havia vida melhor.

Sempre fui e preferida dos meus avos, por ser a primeira neta, e dos meus pais por ser a primeira filha, mas agora já não sei mais se posso afirmar isso... Desde que Débora, minha irmãzinha mais nova nasceu, algumas coisas mudaram. Tenho recebido menos atenção de todos, não que eu precise de ninguém, olha pra mim! Já tenho seis anos, posso muito bem viver sozinha. Confesso que quando mamãe disse que eu teria uma irmã mais nova eu não sei como eu não explodi de alegria. Achei que ela fosse nascer do meu tamanho e a gente ia conversar, brincar juntas no recreio da escolinha, deitar juntas na hora da soneca... Mas não, ela veio em miniatura! Eu esperava uma Deborona, recebi uma Debinha minúscula. Nem falar ela falava!! Como pode? Ainda bem que eu já nasci grande, eu acho. Não lembro de ser daquele tamaninho não.

Vocês estão achando absurdo, não é? Isso é porque ainda não contei quanto tempo ela demorou pra conseguir andar. Eu corria pra tudo que é canto enquanto ela mal conseguia dar alguns passos, ah! Mamãe dizia que as perninhas dela eram muito curtas pra conseguir caminhar direito, mas eu nunca acreditei, não sou burra. As pernas da Meg, minha cachorrinha salsicha, eram muito menores e ela corria o dia inteiro, ninguém me engana não.

Com o passar do tempo eu percebi que o motivo de todos darem tanta atenção pra Débora era esse. Ela não sabia fazer nada sozinha, nem tomar banho ou escovar os próprios dentes. Ela nem tinha dentes!! É claro que todos iam ter que ficar em cima dela o tempo todo, mas como eu disse: olha pra mim, olha meu tamanho, posso muito bem viver sozinha.

"Tá na hora de ir pra cama." — Mamãe disse quando passou por mim na sala, em direção a cozinha. Eu estava deitada no tapete da sala terminando mais um desenho, não precisava dormir ainda. Não tinha com sono! Uma orelha, duas orelhas, e pernas pequeninas, o que estava faltando? Ah, o rabo. Era um retrato perfeito da Meg. "Ta na hora de ir dormir." — Ouvi a voz outra vez, vinda lá da cozinha. — Por que, se vocês vão ficar todos acordados? Eu não! — Respondi e continuei meu desenho. Para mim não fazia sentido, eu não era mais um bebê, fiz aniversário há um dia! — Cassie, vai escovar os dentes e ir deitar, já te acompanho. — Disse mamãe com a varinha em mãos e alguns copos sendo limpos enquanto flutuavam às suas costas. Ela estava mais calma do que deveria, por ser a terceira vez que repetia. Em um dia normal a Cassandra Abbott Mederios já teria sido invocada, mas isso não aconteceu. Mamãe devia estar me respeitando mais agora que eu já tinha seis anos.

Os copos continuaram as flutuar às costas da mamãe quando eu a respondi pela segunda vez. Ainda não era hora, se ela podia ficar acordada então eu também podia. Nem a Debinha tinha ido dormir ainda, por que eu? — Não! Tá todo mundo aqui e eu tenho que ir dormir? — Minha voz saiu um pouco mais baixa do que planejei, mamãe não ouviu; ou pareceu não ter ouvido porque simplesmente repetiu que eu devia ir para a cama sem um fio de cabelo arrepiado de estresse. Não. Não. Não. Ela não disse nada. Dessa vez, meu olhar cruzava diretamente com o dela e sua boca permaneceu fechada todo o tempo. Como assim? Como? Tinha alguém em casa imitando a voz dela! Tinha alguém querendo que eu fosse pro meu quarto, querendo que eu ficasse sozinha, e não era a mamãe.

Eu sabia! Sempre estive certa sobre o monstro escondido dentro do meu armário! Que tal o que vive embaixo da cama? E o outro atrás da porta do banheiro? Também existia! Eu sempre estive certa! Qual deles queria que eu ficasse sozinha? E como conseguiam imitar a voz da mamãe assim? Eu não sabia o que fazer, mas tinha certeza de que algum desses monstros me esperava em meu quarto. Lembra quando eu soltei da mão do papai no parque e acabei me perdendo? Claro que não lembra, eu ainda não te contei essa história, mas vou resumir em uma frase pra você se situar e entender direito as coisas: no dia, senti alguma coisa me esmagando, como se eu não pudesse mais respirar e ouvi muita gente se aproximando de mim quando não tinha ninguém até que uma policial me encontrou e tudo ficou bem. Essa explicação ficou um pouco maior do que eu queria, mas pelo menos deu pra você entender.

Tinha alguma coisa apertando meu peito e todos aqueles monstros pareciam saber o que eu sentia. "— Cassie?" — Ouvi a voz da mamãe de boca fechada outra vez. — Querido? Querido! — Agora, era mesmo ela. A última coisa que me lembro foi o papai gritando pelo corredor e aparecendo na sala com o cabelo bagunçado. Me encolhi tapando os ouvidos com as mãos, tentava parar todas as vozes dos monstros que agora também imitavam o papai, mas não adiantava de nada. Quanto mais eu me encolhia, mais difícil era respirar e mais altas eram as vozes dos monstros. Mas por que eles pareciam preocupados comigo? Todos tinham se unido pra me pegar sozinha lá no meu quarto e agora se desesperavam... Era mais fácil calarem a boca. — Cala a boca. Cala a boca. Calem a boca! — Gritei o mais alto que consegui para que aqueles monstros ouvissem seja no banheiro, embaixo da cama ou dentro do armário.

Calma, eles me obedeceram? Por um segundo tudo o que ouvi foi o choro de Debinha. Nenhuma outra voz, e depois tudo ficou escuro, os monstros conseguiram me pegar.

Que brancura era aquela? Meus olhos arderam quando os abri, sem entender muito bem o que tinha acontecido. Eu não devia ta na sala de casa? Como fui parar no meu quarto? É só isso, gente, eu dormi e o monstro conseguiu me pegar, aquilo ali não era meu quarto, mas a barriga dele. Levantei os braços para tapar os olhos que ardiam com a luz e tive a certeza de que era ele, o monstro. Tinha um fio no pescoço e quatro grandes olhos de vidro — Aaaaah!!! — Gritei e me encolhi na cabeceira da cama. Vocês vão ficar só olhando? Alguém me ajuda!

— Calma, filha, calma. — Mamãe segurou entre seus braços e eu soube que estava segura. Que monstro seria burro assim pra tentar me tirar dali? Ela conseguia espantar qualquer um que quisesse, pode ter certeza disso, ninguém se atreveria. — Mas o monstro! Ele ta aqui! — Me encolhi em seu colo com os olhos fechados. Acabei de dizer que nenhum monstro se atreveria a me pegar na presença da minha mãe, né? Eu só precisava ficar ali, em seu colo, e estava no lugar mais bem protegido da casa inteira.

"—Como pensei." — Ouvi uma voz estranha que me fez saltar e me encolher ainda mais no colo de minha mãe. "— Espero que não seja nada." — Agora a voz era de minha mãe que acariciava meus cabelos. — Calma, querida, ta tudo bem. — Disse ela. Vocês já devem ter percebido que eu não sou nem um pouco burra, eu sabia que não tinha nada bem e que não era normal ouvir monstros gritando comigo, mas não entendia porque minha mãe mentia pra mim. Ela não mente nunca! Por que agora? — Não vai não! — Respondi com a voz abafada em sua blusa. Não queria ouvir mais nada. Queria que aquele homem fosse embora e que minha mãe dormisse comigo.

Foi quando ouvi a voz do meu pai chamando o monstro de olhos de vidro, um medibruxo. Por que chamaram um medibruxo? Eles são alguma espécie de segurança ou algo assim? Só podia ser. — Então, preciso ir, mas tudo indica que sua filha é uma legilimente em potencial. — Era uma voz desconhecida, não sabia de quem era e não quis abrir os olhos para conferir, apenas puxei a mamãe para a cama comigo. "—Não acho que seja possível." — Ouvi meu pai dizer duas coisas ao mesmo tempo. Duas vozes, devia ser uma dele e a outra do monstro que rondava por ali. — Ah, claro.

ENCERRADO

Feito.