Cansada de estar naquele dilema de terminar ou não seu trote e tentar ficar de bem e sem climão com seus amigos, tendo os pensamentos a mil a todo instante, Alice resolveu isolar-se um pouco e tentar focar nos estudos na beira da água, próxima à casa dos barcos e os moinhos do castelo. Ali, onde normalmente não ficava ninguém, era onde a menina conseguia encontrar paz e calmaria a céu aberto e nenhum outro barulho muito alto, só o da água nas gigantes rodas em movimento.

Com os livrinhos guia de bolso sobre criaturas mágicas e feitiços que havia pegado na biblioteca — por indicação especial de Paula, a nova bibliotecária, que os achava fofos —, Lice sentou-se em uma das beiradinhas da água, onde estava seco, de lado para o riacho, de forma que conseguia ver todo o restante do pátio se quisesse. Abriu na página que falava sobre caiporas e curupiras e começou a ler, lembrando dos comentários do professor Assis sobre as criaturas na aula de dois dias atrás. ”Mesmo uma criatura mágica, como o curupira, pode ser tão machista e agressora..”, sua mente julgava o ser mágico sobre o qual lia, aquele que não andava com outro de sua espécie (como os “machos” que defendem a unhas e dentes sua masculinidade) e que são ariscos e protegem a todo custo o lugar em que estão (como aqueles que não aceitam nada e já vem para cima com quatro pedras na mão).

Balançando a cabeça em negação e soltando uma risada pelos raciocínios que estava tendo, a Bissoli acabou desviando sua atenção das páginas que lia e nesse momento sua visão captou a presença de mais alguém por ali e passou a observar suas ações. — Espero que não esteja aprontando nada bem na minha frente, Apagadinho. — comentou depois de alguns instantes, já se levantando para aproximar-se do garoto. Embora sua mente quase berrasse que era mais apropriado que a menina se mantivesse calada para passar despercebida pelo Braddock, suas palavras e seu corpo pareciam ser atraídas como um imã pelo problema.

Vestes da Alice:

Enquanto se aproximava de Nox, Alice permitiu-se rir da situação que via, e assistiu com muito bom humor a cara de espanto do garoto que tentava se esconder atrás de uma plaquinha de metal mixuruca. ”Completamente perturbado, coitado.”, sua mente zombava. O barulho da placa caindo ao chão arrancou uma careta da Pegoretti, que logo imaginou pessoas indo ver o que havia acontecido e fazendo perguntas. ”Não que esteja acontecendo algo, né, mas..”, raciocinava a quintanista, mas sabia que no fundo tinha receio de que descobrissem o que havia rolado no ano anterior, e por isso qualquer segundo visto com o Almeida já lhe deixava com a alerta ligado. ”Que idiotice..., permitiu-se rir de si mesma e do colega que claramente havia tomado um baita susto, já estava mais que largar daquele pensamento bobo. O latino era seu colega de classe, afinal de contas, se aquele pensamento surgisse em si toda vez que estivessem perto, acabaria ficando louca.

Ouviu as perguntas do menino e teve que aumentar o riso, dessa vez para um sorriso um tanto irônico. Lógico que o Braddock tinha que tentar acabar com o bom humor da Bissoli, mas dessa vez não conseguiria. — Me vesti assim especialmente para você, meu bem. Fiquei sabendo que tu é uma criança com medo do boi da cara preta, queria ajudar mostrando que não é real. Infelizmente só deixei o bebezão assustado, né? —cruzou os braços enquanto o mais puro deboche tomava conta de sua face. — Ah, qual é? Eu não te assustava tanto assim, Apagadinho. Machucou o pé quando tropeçou foi? Bebezão quer um beijinho para sarar? — zombou mais um vez com voz irritante enquanto encarava o quintanista, mas lógico que quando a palavrinha-chave saiu de sua boca uma ideia iluminou a mente da metamorfomaga naquele noite que já se mostrava escura demais.

Ouviu um comentário de desprezo por parte de Nox e fez cara de paisagem, fingindo não estar nem um pouco afetada. A verdade é que muita coisa que o garoto falava a afetava diretamente, mas estava aprendendo a lidar com aquilo, sabia que havia um sentimento ali, mas não conseguia distinguir o que era, então decidira ignorar qualquer coisa que não fosse importante de fato. Frente a frente com o garoto, suas emoções não se pareciam nem um pouco com as que lhe dominavam quando estava com Joca, e também não era como havia sido com Andes. Era mais raso, mais claro, um tanto forte, sim, porém momentâneo. Ou pelo menos ela achava que fosse. ”Merda, mais essa dúvida agora?!”, gritou em sua mente, e então decidiu: iria seguir sua ideia e aproveitar para provar a si mesmo que estava certa, aquilo não seria nada demais.

— Não me lembro desse desprezo todo e nem desse medo no ano passado, Babadook. Acho que vou ter que te lembrar que eu não mordo. A menos que me peça. — provocou, logo ultrapassando o “limite” que a placa caída havia colocado entre eles. Por um segundo Lice se perguntou se deveria fazer aquilo mesmo, mas em seguida a menina já se via próxima demais do outro, aqueles infernos de olhos claros lhe puxando como um imã. Pegoretti sorriu triunfante ao perceber o não afastamento do garoto e então o beijou, um beijo não muito calmo e cheio de curiosidade, um beijo que ela já conhecia, mas que precisava sentir de novo para definir os novos sentimentos desconhecidos que cresciam dentro de si.

Ondas de adrenalina percorriam seu corpo, mas não era como se encaixassem cem por cento, não era como se a eletricidade mais forte, e embora também fosse bom estar ali com ele, não era ele o escolhido do coração de Lice. Tendo esse pensamento, a quintanista resolveu tocar a sineta pendurada em seu pescoço, quebrando o beijo assim que o som se fez ouvir, quase assustando o menino mais uma vez. — Ops. — sorriu arteira, dando três passos para trás. — Bem.. você acabou de me ajudar no meu trote, vamos fingir que isso foi um agradecimento. — comentou, certa de que jamais contaria a ele qual havia sido seu desafio.

Vestes da Alice: