andes

A tarde havia começado agitada para o Peixoto. Logo após o almoço o garoto saíra para aproveitar o belo dia que fazia em CB e praticara uma sessão levinha de treino de peito e braços, com direito a brincar — ainda que seus amigos adorassem implicar com ele por causa disso — com um pneu de caminhão transfigurado. Após um bom banho quente, o sextanista deu uma leve corridinha até as cozinhas no térreo de CB para uma vitamina de banana e maçã e um prato com ovos e inhame de pós-treino. Estando de bom humor, algo que não ocorria de verdade fazia algumas semanas e só mudou de repente por causa de uma pessoinha, o garoto decidiu aproveitar o dia.

Assim, tendo se alimentado e brincado um pouco com os escoteiros que trabalhavam pelas cozinhas, Joca seguiu para os andares superiores da escola com o objetivo de fazer algo de útil na vida, afinal a segunda semana de aula estava quase acabando e o moreno não havia estudado nada. “Se eles não me escolherem como Representante por que estou com nota baixa…” O pensamento morreu quando ele percebeu que a lista de pessoas que lhe dariam uma pedalada seria extensa demais. Suspirando pesadamente em preparação à dor e sofrimento qual ele sentiria, o menino parou suas andadas no segundo andar da instituição, e empurrou a porta dupla da biblioteca.

Se esquivando da bibliotecária, Joca adentrou o labirinto de estantes e livros que era o segundo andar de Castelobruxo propriamente dito, ainda sem saber o que deveria estudar. “Talvez eu devesse desistir isso sim, sou burro, péssimo em todas as matérias, não adianta muito fingir o contrário.” O crossfiteiro parou em uma encruzilhada e olhou ao redor, um misto de desejo e tristeza fazendo suas orbes brilharem ao capturar o mundo acadêmico daquele lugar. Ele gostava dali, não podia dizer que não, porém seu motivo para permanecer era outro. Ou melhor dizendo, outros, vários outros, quais ele podia ver os rostos e sentir o calor da gargalhada reverberando em seus ossos. “Papai estava certo, os homens Peixoto não foram feitos pra magia.” A lembrança da discussão do senhor Arthur com seus tios às vezes pesava na cabeça do menino, os adultos não o haviam visto, mas ele assistira quando disseram que seu pai era uma vergonha, um aborto inútil.

Sentindo o sangue ferver em seu corpo diante de suas próprias lembranças, o rapaz voltou a andar pelas prateleiras, agora de maxilar e punho cerrados e sem nenhum objetivo em mente. “QUEM ELES ACHAM QUE SÃO PRA FALAR ASSIM COM MEU PAI? FILHOS DUMA CAIPORA TORTA!” Os gritos em sua mente o fizeram parar novamente, no entanto ele não estava mais sozinho no labirinto, outros alunos o olhavam estranho o fazendo questionar se, por um segundo, saía fumaça de suas orelhas como nos desenhos animados. O Gonzalez tentou se acalmar, respirando fundo como o pai ensinara quando tinha ataques de ansiedade quando pequeno. “Eu-eu preciso ficar forte, preciso cuidar da família, preciso cuidar de painho. Era o que dona Joana gostaria que eu fizesse.”

Enquanto recobrava seu humor normal — algo definitivamente estava errado com o aluno naquele ano —, uma voz a sua esquerda o fez se virar, logo abrindo um largo e aliviado sorriso. O abraço que se seguiu o encontro foi tudo que o moreno precisava. O calor do amigo o rodeando era o suficiente para ajudar a afastar aquela raiva que se esgueirava em seu corpo desde antes da volta às aulas, e depois da noite no terraço com uma certa vaquinha, ele percebera que mais que tudo um dos seus erros aquele início de ano escolar fora tentar se isolar de todos. Após um apertado abraço de urso e um beijo estalado na testa do menor, Jão começou a brincar com os fios negros do quintanista, uma sensação que algo atribulava o outro o deixando novamente inquieto. “O tom de azul dele é esse mesmo? Ou parece mais pálido?” — E aí, Cordinha, faz tempo que não nos vimos ein? Saudades do meu bestie. — Sorrindo amavelmente para o Jaguar, o marombeiro se deixou ser carregado pelo mesmo, a vontade de passar um tempo com o amigo e ser relembrado o que felicidade significa, tomou a dianteira em sua mente e gradativamente a dominava.

Mesmo sentado atrás de uma pilha de livros de magizoologia, João Carlos mantinha um sorriso bocó no rosto, engajando alegremente na conversa puxada pelo outro bruxo. — Tá tudo normal. — Mentiu ele. — Quer dizer, mais ou menos? Então, eu tava pensando em… não surta… tentar virar nerd esse ano, mas nem sei como fazer isso. Não aguento mais passar arrastado todo santo ano, as notas mais laranjas que a cor dos Jaguar, ain. E também… — Desviando o olhar para baixo em embaraço, o rapaz mordeu infantilmente o lábio inferior antes de finalizar baixinho. — Eu queria tentar ser Representante também. — Com medo de ver o choque que possivelmente paralisava o rosto do Santiago, o sextanista logo continuou, defletindo a atenção. — E com você, tudo bem? Alguma novidade?