"Já estamos chegando?" Grunhiu o pequeno buldogue em seus passos curtos. O cão já ofegante acompanhava com alguma dificuldade as passadas maiores de Morpheu, insistindo em saber, a cada cinco minutos, se aquela tortura de exercício já tinha acabado. Era um animalzinho sedentário e preguiçoso. Ozzy geralmente só se levantava da cama quando não queria ficar só no dormitório ou precisava sair para comer. Acompanhava Mor durante as aulas, claro... Mas não era também como se o rapaz fosse muito atlético - em especial depois de quase um ano inteiro sem Gustav e Mikaela, tendo piorado e muito sua constituição física.

—Vamos, Ozzy... Sei que consegue também. Natasha sempre me pediu pra passear mais com você! — Insistiu ao companheiro, ainda que tivesse muita pouca certeza no próprio tom de voz: tremulava o tom, tão ofegante quanto o cachorrinho branco que o flanqueava. Ambos já pensando em desistir assim que chegaram ao lado de fora de Castelobruxo, após tantas escadas e corredores. "E é por isso que eu não fiquei com ela! Sempre louca para fazer corridas!" Resmungou em resposta, fazendo o jovem Byrne gargalhar alto. Ozzy era um dramaturgo incrível e muito pouco atento aos detalhes.

— Você só tinha trinta dias de vida, não tem como lembrar! Seu mentirosinho ardiloso... Natasha já nem tinha idade para correr. — Era óbvio que o cão já sabia disso também. Em todos os seus seis anos de vida uma das coisas que mais ouviu foi sobre a professora-mãe que Morph sempre se orgulhava em dizer que tivera. Fora ela a presentear o garoto com o filhote de buldogue francês e, ainda, a primeira a entender a complexidade e capacidade dos dons de Morpheu, quando ninguém mais acreditava. Uma mulher rígida e elegante que tinha muito mais coração do que qualquer um daqueles que se intitulavam família do rapaz. A única a lhe ter carinho e atenção em iguais partes.

"Certo, certo... Mas eu aposto que ela iria querer se eu estivesse lá." Ainda que a contragosto, deu-se por vencido, bufando baixo durante boa parte da caminhada ao norte do castelo. Ali fora o ar era mais tranquilo e puro, a vista compensava a caminhada. Nenhum dos dois se importava mais com o caminho longo percorrido: se deixavam encantar pela área verde e exuberante. Ainda que sentissem, ambos, saudades de Hogwarts, às vezes davam o braço a torcer pela liberdade, beleza e união que Catelobruxo oferecia. Sem divisões de casas. Sem dormitórios longínquos um dos outros. Sem o aspecto envelhecido e sombrio da escola. E a melhor parte é que era o mais longe possível de qualquer um de sua família.

— Eu gosto daqui. — Murmurou baixo, quase em derrota. No início tinha sido difícil adoecer em um lugar tão diferente. Tinham outra cultura, outro sistema... E a saudade em algumas noites era tão forte que Morpheu já cogitou rasgar o próprio peito para acabar com a dor. Ozzy, em todas aquelas noites, tinha ficado a seu lado. Reconfortou o menino-homem, sofreu de suas mesmas mágoas e angústias. Era aquele pequeno animal de peito estufado e corpo curto que tinha sido seu porto seguro. Cresceram muito naqueles meses até Mikaela e Gustav chegarem. Agora não havia mais complicações e tudo finalmente estava em seu lugar. Estava vivo outra vez. Sempre estivera, claro... Mas só agora se sentia realmente assim.

O cachorro não precisou dizer nada. Apenas diminuíram a velocidade para apreciar o trajeto com aquela tranquilidade ímpar. Era engraçado como dias assim deixavam seu corpo quentinho por dentro. Era um afago suave em seu coração que lhe mostrava que talvez não estivesse sempre certo... Mas que pelo menos estava trilhando um caminho pelo qual  compensava seguir. Um em que não estava mais sozinho. Que não precisava se esconder. Suspirou baixo, piscando forte algumas vezes para afastar a nostalgia melancólica. Queria que fosse um dia perfeito, tal qual sempre eram os dias em seu quarto ano. Queria poder irritar Mikaela e defender Gustav com unhas e dentes.

— Você vai treinar comigo a partir dessa semana. — Decidiu de supetão. As palavras saíam pelos lábios antes mesmo que conseguisse perceber seu significado. Ozzy ficou absolutamente perplexo e sem reação. Não parecia mesmo que Morph algum dia iria voltar a falar algo assim. Estava pronto para protestar quando o maior olhou para seu acompanhante, os olhos intensos e cheios de vida como há muito não eram. — Se não consigo nem andar até o riacho dos botos, como vou acertar a cara de quem se meter com Gus e Mika? — O tom convencido e arrogante era a coisa mais sua que tivera em muito tempo, fazendo o buldogue se calar e apenas assentir. Simplesmente amava ver aquela determinação. Sentia falta de dias assim.

Uma pena que, naquele dia, aquilo ainda não se concretizara. Quando finalmente chegou ao ponto de encontro, desabaram ambos sobre a grama, ao lado de onde Gust os esperava. Deitados e ofegantes, os dois de olhos fechados aos pés do moreno. Absurdamente felizes, mas ainda esgotados! — Não podia ter escolhido qualquer lugar mais próximo? — Ainda que Ozzy tivesse soado junto em seus ganidos, era a voz de Morpheu que reverberava, botando em palavras o que ambos sentiam. Sequer se importava que a camiseta branca padrão se sujasse no meio da grama e terra. A única coisa que queria era descansar um pouco.