Expecto Patronum ?

O período de 2019 foi um dos mais importantes em minha formação, pois me dediquei inteiramente durante aqueles meses a conquistar meu patrono corpóreo. Desde o terceiro ano, estávamos aptos à realização de um patrono completo, embora eu ainda não conseguisse ao menos a realização de um raquítico fiapo de luz. Por diversos dias durante o verão, treinei no quinto andar das instalações, ao terraço, mas nenhuma memória parecia-me boa o suficiente. Com o passar dos meses e a comodidade das aulas, a rotina massacrava-me ao ponto que desisti. Tive diversos sonhos ruins por minha decisão. Sonhos que se intensificavam a cada noite mal dormida, deixavam-me com olheiras fundas e um aspecto descontente com a vida. Para piorar, minhas notas voltariam a cair se continuasse a matar aulas, como fiz em meu primeiro segundo ano. Frustrado com diversos aspectos que pareciam compor minha realidade, faltei mais uma aula, esta de História da Magia, ou de Defesa, realmente não sei. Desta vez por acordar tarde demais, por volta das oito e quarenta e pouco, beirando as nove horas.

Estávamos em agosto e meus sonhos agora atormentavam-me acordado também. O último se fez pior que os anteriores e há pouco pareceu-me real. Quando acordei exasperado e suado àquela manhã, tive certeza de que morreria, pois em mundo que não domino, não sobrevivo por muito, isso é o óbvio. A projeção subconsciente que se passava em minha cabeça ao meu dormir era de um cavalo grande, robusto e translúcido. O patrono de um cavalo. Ao início da jornada, parecia ter nascido de minha varinha e assim que o fez, não entendi ao certo o porquê de sua forma, não parecia combinar a mim. Dei-lhe de ombros e aceitei de bom grato sua existência. O cavalo então começou a se erguer em duas patas e relinchava alto; em sonho, estive a correr pela floresta até finalmente encontrar uma clareira, parecia muito com a clareira das aulas de magizoologia, embora esse detalhe pudesse ser apenas assimilação com o consciente. Uma figura desforme surge dos céus, afastando o animal para longe até que sumisse por completo mata à dentro.

Desacreditado, adentrei ao banheiro do alojamento com um pensamento em mente: “não conseguiria realizar meu patrono se não resolvesse minha vida primeiro”. A água fria em contado com minha pele aos poucos lavavam os pensamentos mais sombrios, deixando àqueles que pudessem me ajudar em minhas resoluções. Àquela manhã em questão parecera mais abafada que outras, coloquei por fim uma muda de roupas leves e fui a clareira. O contato com a natureza me faria voltar aos eixos.

Em meio às arvores e ao cantar dos pássaros, tentei mais algumas vezes incorporar meu patrono, ainda sem expectativa nenhuma de que animal viria a ser. Por um momento até, pareceu nascer na ponta da varinha; a tristeza foi ter terminado como um triste vislumbre de seu ser antes de se esvair por completo. Sentei-me à maior pedra depois de outras tentativas menos bem-sucedidas. Cansado e suando novamente, levei as mãos ao rosto. Pensamentos invasivos não tardaram, embora outros bons os acompanhassem. Um deles mais forte que os demais.
. . .
— São lontras, com certeza, olha! As ariranhas são maiores e vivem em grupos de até 20 indivíduos. — Relatava Marana ao apontar para o grupo de marsupiais.
— Como você sabia dessas coisas? — Perguntava a ela em meio as lembranças.

Meu relacionamento com Marana era assim, ela chegava serelepe, pronta para me contar tudo que aprendera na tarde anterior. Conhecia muito da natureza e dos animais; me fez amar os pássaros, os peixes, os anfíbios e, em especial, algumas lagartixas também, pois estas vieram a ser meus primeiros animais de estimação, mesmo que sempre fugissem.

As lembranças sobre Marana e suas curiosidades em questão me fizeram repensar outras memórias menos felizes e a bobagem que foi acreditar que seriam capazes de reproduzir um patrono corpóreo. Empunhei a varinha em mãos, envolvo por todos os momentos que tivemos juntos em nossa infância e por todas as vezes que precisei meter os pés na lama do manguezal ou lavá-los à beira do rio, embalado pelos pensamentos mais puros do que era o amor e a felicidade; naquele momento, não senti nem amor, muito menos felicidade, eu fui, fui ambos os sentimentos e muito mais. Senti que me transformava na pureza de toda a confusão de sentidos e emoções. Fui verdadeiramente feliz, feliz ao ponto de sentir coragem para tentar uma última vez invocar meu patrono e, corajoso ao ponto de estar realmente preparado para o que pudesse vir, ou não vir. Naquele momento, me senti vivo. Feixes de uma luz branca, muito mais forte que em tentativas anteriores, irradiavam da ponta de minha varinha. Estive a me preparar para a verdade definitiva.


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