O sorriso arteiro se estampava na face da Bissoli enquanto a participante do Centro Acadêmico caminhava a passos curtos e calmos na ponte rumo a Ybirá. O pequeno objeto de coloração dourada e desbotada girava entre seus dedos, ligeiramente leve, já a pequena mochila preta pesava em seus ombros, ocupada com materiais liberados por aqueles que lhe confiavam a guarda de uma das cópias da chave do armário mais cogitado de Castelobruxo. ”Para fins inteiramente acadêmicos, claro.”

Com um leve aceno e um sorriso gentil, Alice cumprimentou alguns alunos que se encontravam na comunal da grande árvore e logo jogou-se em um dos sofás, afundando em meio a várias almofadas. Apoiou a bolsa no chão, entre seus pés, e abriu para dar uma conferida se estava tudo inteiro, já imaginando como faria para controlar o uso da cachaça e do fumo que havia pego nos armários da escola. Será que deveria? Será que queria regular aqui em plena sexta feira? ”Se eles realmente surgirem e o treino for ok, talvez dê para sextar.” Riu de seu próprio pensamento enquanto fechava novamente o zíper. Lembrava-se das palavras dos superiores, de que seriam artefatos muito útil para se livrarem das caiporas que surgissem em seus caminhos, mas não podia deixar de se sentir tentada, embora o porre do trote – e o primeiro de sua vida – ainda fosse um trauma em mente.

Sem mais o que fazer até que os amigos e colegas confirmados para o grupo de estudo chegasse, a Pegoretti prendeu novamente a chave na correntinha fina presa em seu pescoço, guardando-a por debaixo da blusa, e então pegou o livrinho de bolso que Paula havia lhe indicado e emprestado, ajeitou o óculos de armação preta e tornou a ler sobre algumas criaturas enquanto aguardava.

A surpresa da Bissoli não poderia ser maior quando percebeu que João, não somente era o primeiro a chegar, como estava ali com intuito de realmente estudar. – Parece que o jogo virou, não é mesmo, Peixe boi?? – entrou na brincadeira, mas não sem antes dar um encontrão ombro a ombro com o garoto que ainda a chamava de vaquinha, mesmo seu trote já tendo acabado. ”Sofro.” Era o único pensamento possível, mas eram essas implicâncias e brincadeiras, acima de várias outras coisas, que faziam o coração de Gorete bater mais forte pelo sextanista atrapalhado.

Num reflexo impensado, acomodou-se ainda mais no sofá, automaticamente se aconchegando um pouco mais perto do menino que tinha esse dom de deixa-la em “modo espontâneo”. Tentou concentrar-se novamente em sua leitura quando percebeu Joca pegando seu próprio livro, e imaginava quais feitiços poderiam ser mais eficazes contra caiporas ou curupiras caso estivesse sem os ingredientes de escape informados pelo Professor Barni – os mesmos ingredientes cujas amostras estavam em sua mochila naquele exato momento.

No instante seguinte, sua mente mirabolante já esquadrinhava táticas de fuga caso se metesse em confusão com as tais criaturinhas, e a parte mais louca e perturbada de seu cérebro fazia questão de criar situações de apuros piores que a do dia do embarque, fazendo a menina raciocinar sobre feitiços além dos indicados pela Professora Torres na aula conjunta com Magizoologia. Se por acaso se aventurasse na mata, se perdesse, avançasse nos limites de Castelobruxo e desse de cara com algum Curupira, um Locomotor Mortis seria suficiente? Ou será que a criatura conseguiria usar a floresta a seu favor mesmo assim? Um Impedimenta de nada ajudaria a garota a fugir, mas e os outros dois?

Agradeceu mentalmente pela fala de Jão a ter tirado daqueles devaneios malucos, aliviando o coração da Vice, pois esta sabia que tinha juízo suficiente para nunca se meter em uma situação como aquela... não tinha? – Hmm.. primeiro terei que fazer um comentário bem idiota. Fianto Duri é um nome bem feio, se fosse esse o requisito, eu iria preferir Protego Maxima. – finalizou a frase com um riso tolo, ouvindo o comentário e a próxima pergunta do Peixoto. Preparava-se para responder quando sentiu a mão do mais velho escorregar discretamente – ou nem tanto – para junto da sua, e instantaneamente deu espaço para que os dedos se entrelaçassem, um sorriso fofo se estampando em sua face e os cabelos assumindo um tom levemente rosado.

Estava preste a fazer um comentário nada relacionado ao grupo de estudos, mas segurou-se devido a presença de Mafê, a intercambista que dizia algo sobre serem o casal mais adorado de CB ou algo do tipo, se é que havia entendido direito. Apenas trocou olhar e sorriso com o mais velho, em um misto de cumplicidade e dúvida, e esperou que a outra compartilhasse suas ideias acerca do assunto.

– Pois é, acho que vai depender muito da situação. O Fianto protege de uma variedade maior de feitiços, OK. Mas devido as explicações, fiquei pensando... seria qualquer feitiço, de qualquer tipo e força, capaz de ir corrompendo essa barreira? Pois se for assim, Maxima pode acabar sendo mais útil para aguentar certos feitiços ofensivos, que acredito que vai depender do poder da magia, podendo proteger de mais de um feitiço também. – divagou a metamorfomaga, afinal, se o feitiço se chamava Protego Maxima, tinha que ter uma razão. Foi então que, curiosa, catou o livro do Carlos com sua mão livre e tratou a ler a descrição de ambas as magias. – Ué, lendo aqui, acho que entendi errado. O Maxima seria para conjurar uma proteção para outra pessoa, ou algum objeto, sei lá.. que é diferente do Protego comum, pois esse é para que eu defenda a mim mesma de algum feitiço. É isso? – devolveu o livro para o garoto e lançou-lhe seu sínico sorriso de “foi mal” por ter lhe tomado o objeto sem aviso prévio. – De qualquer forma, acho que vai sim, depender da situação, e também da nossa concentração e afinidade, né? Talvez a gente se dê melhor com um que com outro.. – concluiu seu raciocínio que dominou a conversa nos último minutos, logo esperando por demais possíveis comentários.

– Agora deixa eu compartilhar outra curiosidade.. Vocês sabem algo sobre o Fosforepelio? Desde que li sobre ele no livro do terceiro ano e tenho muita vontade de usar, descobrir como funciona.. mas ao mesmo tempo tenho medo pois não sei que tipo de "dano" ele causaria no alvo. Tive vontade de usar contra as Caiporas no dia do embarque, mas fiquei com medo do que aconteceria. – comentou com sinceridade, deixando um riso escapar, e então atentou-se à pergunta de Maria sobre as criaturas. Engoliu em seco. – Bem, eu acho que, desde a morte da antiga diretora, no ano passado, as coisas devem ter desandado por aqui. Foram meses demais sem aula ou movimentação regular no castelo.. isso deve tê-las agitado quando a movimentação voltou em peso, até por que temos muito mais alunos do que ano passado, inclusive muito mais alunos de fora, o que é bem curioso. – comentou, e embora aquela não fosse sua única opinião acerca do assunto, preferiu tentar trocar o tópico da conversa antes que sua língua grande a comprometesse de alguma forma.