Eu estava sentada em um dos sofás da comunal, minhas pernas estavam cruzadas sobre o estofado, um livro sobre Transfiguração — lobisomens, sereianos, animagos — estava apoiado em uma das minhas pernas. Na outra, um caderno estava aberto na matéria de Transfiguração do dia 12 de fevereiro — a primeira quarta-feira letiva — que a professora Bianca, substituindo o professor — ou professora — de Transfiguração, dera.

A transfiguração humana, a animagia, pelo menos, é algo relativamente complicado de se concluir. A transformação completa de um homem em animal exigia muito esforço e estudo e, pelo que fiquei sabendo, alguns animagos ficaram famosos na história bruxa — e a maior parte que ficou famosa era de Hogwarts, na Inglaterra — Minerva McGonnagal era professora e Vice-Diretora de Hogwarts na 2ª Grande Guerra Bruxa, protagonizada pelo famoso Harry Potter, o sobrevivente a Voldemort, filho de um animago, afilhado de outro.

Eu também tinha ido à biblioteca, pegara uns livros com Paula — a bibliotecária — que pacientemente me indicou alguns livros sobre os veteranos da biblioteca: transformações de humanos em animais selvagens, típicos da fauna brasileira, naturais da Floresta Amazônica.

Anotado em um dos cantos do meu caderno, as palavras estavam em um alemão corrido: Os veteranos são transfigurações humanas? Mas eu tinha minhas sérias dúvidas acerca disso, porque quem transformava os veteranos — de acordo com as lendas nos livros que Paula havia, gentil e pacientemente, me indicado — era o coração da biblioteca. Perguntei-me, ainda, se a transformação de Uirá em falcão peregrino — veterano que protegia o enorme labirinto de livros — tantos anos antes, era considerada uma transfiguração humana, mesmo que feito pelo coração da biblioteca.

Suspirei, batendo sutilmente a caneta no papel pautado do caderno onde fazia minhas anotações da matéria. Apoiei a caneta no caderno e prendi meu cabelo em um cabo de cavalo bagunçado, sem deixar nenhuma mexa do meu cabelo para fora do elástico e limpei os óculos de grau que usava naquela tarde.

Olhei a tela do meu celular mais uma vez, para ver se tinha alguma mensagem da Giovanna — se ela estava chegando ou não — pois a capitã do time de Cheerleader dos Carcará estava atrasada para nosso encontro para falar sobre o grupo. E eu suspirei. Quanto tempo será que ela demoraria mais?

Era impossível não ver Giovanna chegando com seu uniforme das Rapinas na Comunal, com uma perceptível elegância em seu andar, uma confiança fora de série. Estava feliz que minha amiga de Beauxbatons estava em Castelobruxo: podia conversar com ela sobre o nosso tempo da Academia, e, melhor, podia conversar com ela em Alemão, o que era relativamente engraçado, já que ninguém mais poderia nos entender ali em Castelobruxo.

Por isso, foi um sorriso contornando o canto direito dos meus lábios que guardei meu material de Transfiguração na mochila, deixando-a de lado enquanto me levantava e ficava em minha plena altura, olhando para a menina. Suas palavras se enrolaram em sua boca em um alemão perfeito, um tom ácido para qualquer outra pessoa naquele grande salão, mas que, para mim, era algo corriqueiro, quase carinhoso, como se estivesse acarinhando um pufoso. A menina colocou as mãos na cintura e balançou o tecido do uniforme vermelho, preto e branco das Rapinas.

Respirei fundo, determinada, enquanto ela falava sobre a primeira fase do processo seletivo: a cheer face (sim, eu havia feito as minhas pesquisas no Google). Tinha que fazer uma expressão animada, que dissesse coisas quase contraditórias, e eu tive que pensar por algum tempo qual seria minha expressão que dissesse, nas palavras da Gonzalez: “sou selvagem, mas sou elegante! Sou perigosa, mas sou delicada!”

Então assenti e coloquei as mãos na cintura, ajeitei minha postura e levantei o nariz, abrindo um sorriso largo, olhando-a como se a desafiasse — ou pelo menos queria que parecesse assim — com um ar levemente arrogante, provocativo, levemente afetado.

— Assim está bom? — perguntei, ainda na posição, dando uma piscadela com o olho direito.