Ter Mogli no mesmo alojamento estava ajudando muito, visto que somente de estar perto dela já havia uma sensação de menos peso sobre os ombros cansados de Lorena. Mas o apelido da garota não era em vão, e ela passava mais tempo procurando vínculos com a mãe natureza do que no dormitório delas. Assim, sobrava conversar com Arón, Matteo e Mavis, as pessoas com quem esteve durante toda aquela tormenta e sem sombra de dúvidas, as de vínculo maior do que as demais do clube dos doze. Agora eram um clube, uma união de alunos confusos, exaustos e que levariam para sempre aquela experiência trágica em suas mentes e almas. Talvez se tivesse ficado no castelo naquela manhã... mas sabia, Lorena era teimosa demais para aceitar que alguém gritasse e depois do nada eles serem proibidos de frequentarem algo de onde parecia vir o som. Não que ela fosse uma grande curiosa, mas tinha esse extinto de lealdade que a jogava para todas as aventuras não autorizadas do castelo. Invadir uma cena de crime, tocar em um cadáver, roubar uma lembrança, invadir outro cenário, dessa vez os aposentos da diretora, ver em uma penseira o corpo que tocara quando ainda viva, morrendo em seguida sem que Lorena pudesse fazer nada para salvá-la. Depois de limparem tudo, a morena ainda se envolvera em uma abertura de um dos ítens roubados da cena do crime, sendo ela própria a tomar a iniciativa de fuxicar os objetos. Ela havia deixado todas aquelas pessoas saberem de seu dom, que escondia com toda a força por achar que poderia vir a se tornar uma vítima em função disso no futuro.

Arón e Mavis estavam sempre lembrando que ela não estava sozinha, que não precisava manter nada para si, que eles o ouviriam. Matteo também se fazia presente, mas ele evitava o assunto como quem evita o ceifador da morte se aproxime. E além dessas pessoas, não tinha com quem conversar. Não poderia contar sobre o que vira, o que sentira, o que tocara, não sem se meter em grande encrenca. Não era só com a diretora dessa vez, haviam vários aurores e membros da COMASUL envolvidos com a morte tão confusa de Bea. E aquela voz, a voz de Bez, essa não parecia jamais sair de sua cabeça. Precisa meditar, visto que era a única coisa que a mantinha bem nos últimos dias. Tentava se manter forte, disfarçando as noites em que não conseguia dormir ou as refeições que pulava porque a simples ideia de ingerir algum alimento já a deixava enjoada. O único lugar que ainda a recebia com carinho e onde ela encontrava sinal de paz era exatamente o observatório, seu refúgio desde o seu primeiro ano estudando ali.

Ao entrar na sala, sentiu o clima geladinho arrepiar seus braços, e como quem vê o amor da sua vida, Lorena se aproximou das paredes, das estrelas, das constelações todas, daquela boa e velha sensação de estar perdida no meio do espaço. Sentou-se sobre uma das almofadas da sala e se pôs a tentar meditar, mas a mente estava agitada demais, e o corpo fraco por não estar sendo alimentado de forma correta. Queria que algum dos seus estivesse ali com ela para abraçá-la forte o suficiente para que todos aqueles pensamentos fossem embora. — But I didn't really mind because I knew that it takes getting everything, You ever wanted and then losing it o know what true freedom is.... — Cantarolava baixinho, para si mesma mais do que pras estrelas ao seu redor. Elas não estavam muito atentas a falta de melodia e de talento também. — I was always an unusual girl, my mother told me I had a chameleon soul. No morall compass pointing due north, no fixed personality. Just an inner indecisiveness. That was as wide and as wavering as the ocean — Cantou com a voz pausada, segurando para não haver choro. Não podia ceder aquela vontade horrível de chorar, pois Lorena não era esse tipo de garota. Ela não fora criada para ser. Ela tinha força, tinha um dom, tinha ótimas notas e um desempenho excelente – inclusive no que se referia a se meter em encrencas. Ela não iria chorar, não iria deixar que aqueles acontecimentos arruinassem uma vida de meditação, de dias trancadas em um quarto branco para que aprendesse a conviver somente consigo mesmo e com uma paisagem de tirar a sanidade de qualquer um. Lorena sempre fora uma guerreira, seu elemental já revelara isso inúmeras vezes. E ela não pertencia a ninguém, pertencia a todo mundo. Não tinha nada e queria tudo, com um desejo ardente por cada experiência e uma obsessão pela liberdade. Não seria aquilo que a faria quebrar. Ela era, afinal, uma Fialho. Ela era a porra de um mulherão.

— Na verdade, eu iria gostar muito se ficasse. — Disse com um tom de voz sincero, mesmo tendo se assustado um pouco com a presença repentina de Thiago. Eles estavam acostumados a se verem pelos corredores, mas há quanto tempo não se sentavam para ter uma boa conversa? Do que ela se lembrava da convivência que tiveram, ele era doce e gentil, o tipo de pessoa que você quer ter por perto em qualquer situação. O tipo de pessoa que faz você se sentir bem sem nem precisar fazer esforço, e alguém que também beijava muito bem. Ela lembrou de quando eles tiveram um namorico breve, e vendo-o ali, tão mais maduro e ainda com aquela careta fofa, fora impossível não sorrir. Ela tivera a sorte de se relacionar com alguém que não a deixava com qualquer vergonha ou remorso ao lembrar da trajetória que cruzaram juntos. — Tem um lugar aqui do lado, mas tudo bem se preferir ficar aí parado como uma estátua. — Brincou ela, batendo a mão em uma almofada próxima a dela, e o viu se aproximar com cuidado, como se ela pudesse mudar de ideia sobre o convite. Quando ele se sentou, a primeira coisa que ela fizera fora o abraçar, desses abraços que duram alguns minutos e que transferem uma mensagem. Neste caso, o recado era que sentira sua falta e que sua presença ali a fazia muito bem.

Lorena olhava os olhinhos curiosos de Thiago e sentia que tinha algo errado. Será que ele sabia sobre o que havia acontecido na clareira? Será que mais alguém sabia? Ela estava em apuros? Mas lá estava ele, com seu jeito meigo e sua postura de quem vem em missão de paz. Ainda assim, algo parecia errado. — Da última vez que nos vimos, não lembro dessa ruguinha de preocupação aqui. — Disse, tocando a região das bochechas do garoto com o dedo indicador e se permitindo sorrir. Havia algo errado na vida dele, pelo que ela conhecia do garoto, mas tinha medo de ele reparar que ela também estava diferente. Não era mais a Lorena cheia de energia, de adrenalina e desejo de aventuras malucas e confusões que a levariam diretamente para a sala da diretora. Era a versão dela que não conseguia ficar muito tempo em pé, seja por falta de nutrientes no corpo, seja por falta de vontade. Se o coração acelerava, as batidas pareciam os gritos de Beatriz. Se alguém dizia algo sobre a clareira, como era o caso de Malvina que só conseguia falar em mato, natureza, mãe-natureza, planta, flor, bicho, criatura, vida, morte. Aquela pobre alma sequer tinha ideia de como ativava em Lorena os gatilhos que desbocavam em noites em claro, com medo de dormir e ter aquela visão novamente. Só conseguia dormir bem quando Arón ia escondido até o alojamento delas e os dois ficavam abraçados, ele transmitindo a segurança que ela não sentia mais que tinha. Ainda com ele ao lado, as vezes com Mavis, acordava aos gritos e não conseguia mais dormir. Isso tudo acontecendo e logo haveria uma aula naquela mesma clareira, então ela precisava melhorar. Talvez Thiago fosse a chave, visto que ele não sabia nada sobre o que Lorena esteve envolvida e não a remetia a cena do crime de forma alguma.

Percebeu como estava tornando tudo aquilo sobre ela, mesmo que não tivesse aberto a boca para comentar nada a seu próprio respeito. — O Thiago que eu namorei era mais animado, sabe. Talvez fosse o efeito Lorena — provoquei, mostrando a língua em seguida — ou talvez houvesse um peso menor sobre seus ombros. São as aulas, Thi? Saiba que pode confiar em mim para falar sobre o que te aflige. Eu sei que tem algo errado. — Finalizei, segurando sua mão como uma amiga preocupada que de fato era. E também arrependida por ter deixado que o término do relacionamento de alguma forma os afastasse também. Thiago sempre seria o garoto que ela puxava para as confusões junto dos Bedoya e de Arón, e assim como Cecília, de alguma forma ele acabou se desvinculando do grupo. Ainda assim, era uma figura que fizera parte da sua vida por mais tempo do que o curto relacionamento deles, e alguém que ela queria ver bem, muito bem. — Se isso for obra de alguma garota ou garoto, notifique e eu irei atrás de quem que seja. — Brinquei, deixando nítido que era uma brincadeira. Poderia até ouvir sobre sua vida amorosa, mas jamais iria atrás de alguém para causar mais problemas a ele. Afinal, que problemas ele andava tendo? Calou-se para que ele tivesse a chance de contar. Ela só esperava, com todas as suas forças, que não fosse algo relacionado a Beatriz, que gritava no fundo de sua mente naquele mesmo instante.