A pequena reunião na sala de Bianca durara mais do que o desejado, mas havia dado certo de um jeito bom. Agora ela tinha um estágio, um fantasma a menos para se preocupar e talvez não acabaria presa. Por outro lado, a professora e agora tutora havia muito dos segredos de Lorena, segredos que comprometiam outras onze pessoas, dentre elas seus parentes e Arón. E fora neles que ela pensou quando resolveu dizer, mesmo que não fosse coerente, que havia feito tudo sozinha. Ela havia cometido um erro ao perder o controle no dia anterior e revelar aquele grito horroroso preso em sua garganta, e fora na tentativa de arrumar, que terminara de estragar tudo. Agora não havia muito mais o que fazer, a não ser esperar o tempo contar a resolução de cada um dos problemas que ela havia se metido. Ainda assim, saiu da sala da professora com um sorriso glorioso no rosto, um sorriso de quem afirma “Lorena está de volta, vadias, e agora sem Beatriz”!

Ela estava tão contente que quase não reparou em Mavis parada próxima a um pilar perto da sala de Bianca. A prima estava com cara de choro, como se algo de muito ruim tivesse acontecido, e Lorena sentiu o estômago dar cambalhotas e cogitou por um segundo que Bianca talvez a tivesse denunciado e que agora todos soubessem. Caminhou cautelosa até a prima, como se ganhando tempo o problema diminuísse, e conforme fora chegando perto da morena, vira o envelope em suas mãos. Sentiu uma tontura percorrer o corpo, já imaginando as possibilidades. Mais um parente morto? Mais alguma tragédia? Seus pais estariam bem? Mavis parecia adivinhar o que se passava na mente da prima, fazendo um sinal de negação com a cabeça, se aproximando e entregando o papel em suas mãos. Reconheceu a letra de Arón de longe, mas não conseguiu entender o motivo de ele ter escrito uma carta, sequer entendera o motivo da prima parecer chorosa. O envelope já parecia ter sido aberto, e Mav disse algo sobre, entre mil palavras de desculpas, ter aberto achando que era alguma declaração e que depois poderia rir dos dois. Lorena apenas encarou a prima, sem entender nada direito, e depois voltou os olhos para o pergaminho, dando uma rápida passada de olhos pelo conteúdo, até os olhos estarem marejados demais para que ela conseguisse continuar a leitura. Nesse momento sentira o abraço pressionando seu corpo, mas não conseguiu retribuir. O que é que era aquilo tudo, afinal? —Mavis, eu não estou brava com você. Eu só... só preciso de uns minutos, ok? Pra entender o que está acontecendo. — A prima até disse mais alguma coisa, mas Lorena apenas ignorou e foi para o quinto andar quase como de modo automático. A carta pressionada nos dedos, os passos firmes e o rosto indecifrável, ignorando todo e qualquer contato que tivera pelo trajeto. Ninguém merecia sua atenção no momento. O único que roubou sua atenção por minutinhos fora Polo, que caminhava sem saber de nada, neutro das confusões as quais Lorena estava enfiada até o talo, sem saber sequer da tal ida de Arón. Ele sorriu para ela que correu em direção a ele e o abraçou, deixando as lágrimas escaparem sem nenhum dó de seus olhos já tão cansados. E sem questionar, o primo somente a abraçara de volta e a deixara ter um momento de afeto por alguns minutos. Encerrou dando um beijo molhado – das lágrimas, evidentemente – no rosto do primo e rumou para o lugar que mais amava em todo aquele gigante castelo.

O observatório estava vazio, conforme ela imaginou que estivesse visto que nesse horário os alunos já deveriam estar indo fazer suas refeições, e sentou-se para ler a carta escrita pelo melhor amigo. Teve de reler o conteúdo várias vezes, pois se recusava a entender. Arón havia partido. Rumado para longe de Castelobruxo de alguma forma que ela não sabia dizer como havia sido. Além de ir, não dera a chance para que nenhum dos Bedoya se despedisse. Apenas fora deixando uma carta com um pedido de desculpas. “Eu não quero que se sinta traída, me desculpa se te decepcionei”, fora dito em um trecho. Ele estava indo atrás do pai, sem especificar como, sem dizer se voltaria, sem dizer como os que ficaram poderiam o ajudar. Ele não queria que Lorena ajudasse. Não queria, de acordo com o próprio, que ela estivesse em mais um problema, considerando que já estava em tantos. Ele era capaz de resolver, e ela sabia disso, mas precisava ter feito tudo isso sozinho? Quando ele planejara uma fuga? Quando foi que simplesmente resolvera que poderia fazer aquilo sem cogitar ajuda? Mas é claro que ele tinha ajuda, ninguém sumiria sozinho. E entre lágrimas e vontade de quebrar tudo o que havia naquela pequena sala, Lorena se contentou em observar as estrelas, as mais lindas constelações passando diante de seus olhos, seu corpo fixo no chão da sala, mas sua mente viajando pelo universo. Fora ali que decidira que precisava enviar ela mesmo uma resposta. A sua coruja daria um jeito de encontrar Arón, ela sempre conseguia. Além disso, o witchgram parecia algo tão impessoal agora, e ela sequer conseguia imaginar abrir a rede e se deparar com as fotos dos dois tão felizes que ela postara tão animada. Pensando agora, percebera que ele nunca havia postado foto com ela, mas nunca fora um problema. Ela sabia de seu amor, sabia que ele jamais a enganaria. Pelo menos é o que queria continuar pensando, mesmo em meio a dúvidas. Ergueu a mão espalmada e fez com que um pergaminho e um tinteiro viessem em sua direção. A pena veio logo em seguida. Conforme escrevia, lágrimas grosseiras iam caindo de seus olhos sem permissão alguma. Ele precisava fazer isso por quem ele era, por quem os Ferraz vieram a se tornar. Quem era Lorena para impedir alguém de fazer algo, sendo ela a própria pessoa que sempre fizera tudo sem pensar duas vezes?

Deixou que as estrelas e os sentimentos a guiassem na escrita. Nunca havia mandado uma carta de despedida a alguém, nem mesmo aos parentes mortos – eles sequer leriam. Só que Arón era importante demais para fingirem todos que ele nunca estivera ali. Especial demais para que todos esquecessem, inclusive ela, que ele vivera entre eles. Que sorrira, que chorara, que havia inclusive acertado um belo soco no rosto de Matteo. Ele não somente estivera ali, existira, como também marcara a vida das pessoas que tiveram a sorte de conviver com ela. Partira em uma jornada própria sem ouvir as três palavras que Lorena queria muito dizer a ela, mas o garoto já sabia. Qualquer um que visse a forma como ela olhava para ele saberia o quanto ela o amava também. Então terminou de escrever a carta, sentindo o peso de cada palavra, e preparou o envelope que em breve seria enviado por sua coruja. Esse era seu adeus, talvez até um até logo, para Arón Romeo Ferraz, o primeiro amor de sua vida, o seu primeiro beijo, sua primeira borboleta no estômago e o primeiro com quem compartilhara intimidade em um nível interestelar. O amor é a única coisa que transcende o tempo e o espaço. Com ambas as cartas em mãos, deixou o observatório para trás e rumou a Ybirá para contar aos outros a novidade. Enquanto saía, sentia que parte do seu coração se perdia junto das estrelas ali ilustradas. Fechou a porta, deixando o momento para trás, e rumou para perto dos seus.