Pietra não sabia há quanto tempo estava deitada no meio do campo de quadribol apenas olhando para o céu. Para a sorte dela, não estava tão calor naquele dia e portanto, ficar em meio a grama com o sol na cara não tinha se tornado incômodo. Na verdade, era até que relaxante. Faziam dias que ela pensava no que escreveria para a sua vó. Desde o ocorrido com a sua mãe, era obrigada a escrever pelo menos uma vez por semana para esclarecer que estava bem, que as crises não estavam incomodando, que ela não estava a ponto de seguir o mesmo caminho da mulher que havia trazido ela para o mundo. Só que ninguém sabia é o quanto ela tinha aprendido a mentir, fazendo com que os outros acreditassem que ela estava bem, quando na verdade tudo o que conseguia pensar era nos sete tipo diferentes de inferno pelo qual tinha passado. Mas é o que diz aquele ditado: mentira tem perna curta e a cada ladainha que descrevia nas cartas, na semana seguinte se pegava no mesmo lugar. Sozinha. Sem saber o que dizer para a avó. Sem mais enrolações para dar. E por que não pedir ajuda de uma vez? É que isso implicaria admitir que talvez ela viesse a ficar igual a mãe. Frágil, louca, sem escrúpulos e amor nenhum pelo próximo. E essa era a última coisa que ela queria. Não era igual sua mãe, nem de longe. Mesmo que a voz dela ainda ecoasse em sua mente como um looping infinito, reproduzindo o mesmo discurso que era obrigada a lidar desde que se entendia por gente.

Parecia ridículo achar que teria paz assim que fosse enviada para a escola. O primeiro ano havia sido o pior. Os pesadelos a atormentavam de tal forma que chegava a assustar suas colegas de alojamento, que não eram poucas. Ali tinham começado as mentiras, porque nunca poderia confessar aos outros que era uma traumatizada. No segundo ano os pesadelos se tornaram o menor dos problemas. Pois ela não via coisas em seu subconsciente apenas quando estava imersa no mundo dos sonhos, mas sim quando estava acordada. E não tinha nada pior que ter que lidar com os próprios demônios quando você não sabia distinguir o real do imaginário. Fora no terceiro ano que havia aprendido a ignorar parcialmente aquilo que a perturbava. Haviam os dias em que conseguia viver em paz e os que não conseguia sequer sentir vontade de sair do próprio quarto. Outros diriam que era algo normal, hormônios de uma pré-adolescente. E seria se não houvesse uma história sombria por trás de todas as coisas caóticas e ruins que Pietra sentia. A coisa tinha tomado tantas proporções que ela tinha adquirido uma certa dificuldade para se aproximar de outras pessoas e por esse motivo é que continuava como uma párea na escola, mesmo em seu quarto ano, quando já era de se esperar que houvesse alguma parceria para aturar aqueles anos considerados os mais incríveis da vida de uma pessoa. Baboseira, ela só estava ali para fugir da própria família. Porque não suportava mais os olhares de pena, angústia e por vezes até mesmo medo e desgosto. Podiam não admitir, mas ela sabia que era levada como um encosto. Uma bomba relógio.

Soltou um suspiro cansado e se virou de lado, sentindo a grama pinicar o braço quando mesmo encostou na superfície verdinha. Poderia simplesmente escrever um bilhete ao invés de uma carta, com o que sentia vontade naquele momento. Mas acabaria mandando todo mundo ir se foder porque a real é que não se importavam realmente com ela. Estavam mais preocupados com a imagem ruim que ela poderia trazer para a família. — Bando de hipócritas. — Resmungou para si mesma. Talvez apenas a avó ainda nutrisse algum sentimento bom por ela, mas Pietra não colocaria a mão no fogo. Era grata por tudo que a anciã tinha feito porque se não fosse ela estaria em um orfanato. Só que os olhares da avó por vezes também eram carregados de coisas que Pietra gostaria de não perceber. Por fim acabou se levantando de forma que pudesse se sentar na grama e cruzou as pernas na posição de lótus. Faltava algum tempo para que o sol fosse embora para dar lugar a lua e Pietra costumava passar todos os sábados exatamente ali. Era como um ritual. Que só era quebrado quando a chuva resolvia dar as caras e ela era obrigada a ficar em cárcere privado no Ybirá.

ENCERRADO

devido a inatividade