A minha primeira semana de aulas tinha tido altos e baixos, talvez até alguns machucados mesmo. Felizmente hoje foi um dia tranquilos e eu teria tempo para colocar meus pensamentos no lugar. Não que eu tivesse duvidando das minhas escolhas, mas as coisas realmente ganham um olhar diferente quando em um mês você está cercada de prêmios e méritos escolares e no outro você precisa tomar cuidado com cada palavra que você diz para ter certeza que as pessoas não vão pensar a coisa errada sobre você.

Costumava passar o tempo entre as aulas na biblioteca. Os livros me acalmavam e eu sempre tive um gosto peculiar por aqueles bem antigos sobre herbologia, pois eles tinham desenhos lindos demais. Só que hoje eu não conseguia me concentrar. Fechei o livro e deixei meus ombros caírem para frente enquanto respirava fundo. Era muito estranho ver as pessoas passando por mim sorrindo e ficar na dúvida se elas estavam sendo simpáticas ou rindo de mim.

“Será que eu cheguei naquela idade em que minha autoestima fica frágil e abalada?” Pensei comigo mesma olhando para o nada. Contudo, não tinha resposta para isso ainda. Devolvi o livro para prateleira e resolvi procurar algum lugar mais vazio para pensar. Enquanto seguia pelos corredores pensando em algum lugar como o dormitório ou os banheiros eu olhei ao longe e vi pela janela o caminho da floresta que dava na clareira de magizoologia. “Perfeito!” Saltitei rapidamente para lá tentando chamar o menos de atenção possível.

Sempre amei a natureza e cada detalhe impecável que a compunha. Mesmo sem pensar muito no sentido da magia do mundo bruxo, clareiras em si já me davam uma sensação de ser um local mágico. O som das aves e um bicho ou outro correndo por trás das árvores me causavam uma sensação confortável. Trazia um pouco de agitação para solidão. Deixei meu corpo escorregar por entre as raízes protuberantes de uma das árvores e me aninhei ali mesmo. Os poucos feixes de luz que cortavam as copas das árvores expondo os insetos voadores e pequenas partículas perambulando pelo ar. Além do que o clima era um pouco menos quente por aqui. Não sei nem dizer se esse dia tinha como ficar melhor.

Estava tão relaxada que juro que quase entrei em estado de transe. Era engraçado que depois de tantos anos ouvindo as discussões dos meus pais eu era capaz de reconhecer algumas das plantas da região. Sabia que as raízes altas das árvores eram por conta do terreno úmido e fértil. Sabia que esse era o motivo também pelo qual o ar aqui era tão mais pesado e quente. Mesmo assim estava mais fresco do que sob os raios diretos do sol que sempre cobriam o castelo.

Foi no meio desses meus devaneios que eu ouvi passos leves aumentando, seguido por uma voz jovem e feminina. Ela certamente estava falando comigo, então eu educadamente me recompus e virei na sua direção. Eu a conhecia, havíamos feito aulas juntas e até conversado algumas vezes, mas nada muito profundo.

- Oi, esse é mesmo o meu nome, senti que te conhecia também. – Sorri de volta sendo o mais simpática possível, não era todo dia que alguém falava comigo e esse não era um momento a se desperdiçar – Não sou muito boa com nomes, mas lembrei do seu porquê amo {lavande}! – Disse deixando a palavra sair da forma que eu estava acostumada a falar, com forte sotaque francês.

Então eu senti que ela estava um pouco receosa em falar algo, mas antes que eu pudesse encorajá-la o pedido foi feito. “Me desenhar?” Eu pensei por um momento, não de forma ruim, mas curiosa de certa forma. Já tinha conhecido algumas pessoas com paixão pelas artes, mas esse foi um pedido que nunca havia chegado aos meus ouvidos.

- Que incrível! Claro que pode! – Eu pensei se o meu entusiasmo tinha passado um pouco dos limites, mas não era algo que eu era muito boa em controlar. Eu não sabia desenhar nada além da anatomia das plantas, quem dirá uma pessoa. Ela justificou seu pedido explicando que precisava treinar. Eu me contentei em levantar a mão indicando que ela se acalmasse. – Não precisa se preocupar, se é algo que você coloca seu coração eu apoio. A sociedade pode ser moderna, mas eu vejo muita gente reprimindo suas paixões por aí. Se você ainda quiser, eu topo.

Ri e aguardei sua resposta enquanto me ajeitava numa posição confortável para ficar bastante tempo parada. Sempre fui aquela pessoa no grupo que está lá para apoiar seus amigos. Então se eu queria me aproximar dela, eu tinha que mostrar exatamente quem eu era.

- Você já estuda aqui há muito tempo? – Perguntei enquanto ela arrumava suas coisas.

Lavander então abriu um grande sorriso e explicou que não tinha medo, mas que ainda não acreditava ter chegado no caminho da excelência. É algo bem compreensível, ainda mais se pensarmos que somos jovens e temos um longo caminho a percorrer em nossas vidas. Me perguntei inclusive se ela estava tendo tempo para praticar aqui na escola, porque de certa forma eu senti que estava um pouco atrasada nas aulas ou só tentando fazer muitas matérias ao mesmo tempo. O tempo livre que tinha acabava preferindo descansar.

Enquanto começava a tracejar seu desenho a menina respondeu minha pergunta. Fiquei um pouco curiosa sobre o que teria feito durante um ano para só ter entrado aqui no segundo. Inclusive isso me fez pensar sobre a possibilidade de ela ter vindo de outra escola também, já que seu nome e sobrenome claramente não eram latinos. Só que o fato de ela não ter se aprofundado tanto foi o estalo que me indicou que se ela não tinha falado era porque ela não queria compartilhar esse tipo de informação. Eu não tinha tanta dificuldade de entender que nem todo mundo vive suas histórias da mesma forma, então ela pode não ter falado por não ser coerente ou porque algo ruim marcava esse ponto de sua vida.

Quando ela jogou a bola para mim eu pensei em como falar se forma que também não me mantivesse tagarelando a tarde toda. Eu falava demais as vezes e não queria assustá-la com isso ainda. Então sorri e respondi o mais breve que pude.

- Eu fiz os meus primeiros anos em Beauxbatons, mas meu pai teve uma oportunidade de voltar para o Brasil e perguntou se eu queria vir junto. – Disse de forma tranquila e direta, por mais que não tivesse citado minha mãe acho que eu poderia falar de outra forma em outro momento.

Percebi que Lav as vezes parava o desenho para analisar de outros ângulos, para ter certeza se algo precisava de correção ou se estava seguindo na direção correta. Era bom ver que ela realmente se empenhava no que estava fazendo. Por fim, ela virou o desenho na minha direção para que eu pudesse analisá-lo. Quando peguei o caderno e quando olhei para o desenho eu não pude me conter. Certeza que meus olhos brilharam e eu deixei soltar um gritinho.

- Ficou TÃO LINDO!! – Animada demais eu dava pulinhos sentada – Você pode até não achar que é bom o suficiente, mas eu acho lindo! Acho que você deveria postar no seu witchgram para todo mundo ver e compartilhar! Com o tempo você vai poder dar mais atenção à sua arte e outras pessoas também – Olhava esperançosa enquanto ela pegava o desenho de volta.

Percebi que minha animação deixou Lav um pouco envergonhada, pois suas bochechas ficaram vermelhas. Ao mesmo tempo ela ainda sim manteve a compostura e agradeceu. Logo depois eu senti que estava abrindo uma de suas várias camadas, pois ela começou a compartilhar sua insegurança. Eu sempre tentava ver o melhor em todas as oportunidades e ser positiva. Esperava conseguir passar um pouco disso para minha nova amiga. Então ela se aproximou, começou a cobrir o desenho falando um pouco mais de seus sonhos. Respirei fundo e apertei seu ombro.

- Não precisa se preocupar com isso. Todo artista tem que começar de algum lugar, ninguém nasce grande. – Fiz uma breve pausa para pensar se minhas palavras estavam fazendo algum sentido – Acho que compartilhar um pouco do que você faz pode até ser bom para atrair outros artistas e aprender mais ainda. Talvez até chegue em alguém que você admire!

Comecei a tentar pensar se já tinha visto algum desses gibis. Sempre estava tão presa em livros didáticos que raramente pegava em revistas de notícias ou de quadrinhos. Lembro-me de uma colega da escola que me trouxe vários quadrinhos trouxas, meu favorito com certeza foi o do Homem-aranha. Ele era divertido, um pouco atrapalhado, mas era inteligente. Então forcei um pouco mais e lembrei de um entre eles que era bruxo, exatamente pela característica das imagens em movimento, como nos jornais.

- Você sabe como fazer isso com os desenhos? Parece incrível, talvez você possa escrever para algum cartunista que te inspire e peça dicas. – Sugeri com uma ponta de dúvida se Lavander realmente teria coragem para isso. Ela era verdadeiramente tímida e imagino que iniciar esse tipo de contato a deixaria bem nervosa.

Então ela terminou o desenho, tirou uma foto e me entregou o original. Estava a ponto de recusar, mas ela explicou que tinha a foto e que ia postá-la. – Acho bom postar mesmo, se não vou ser obrigada a fazer várias cópias e espalhar por toda escola. – Brinquei dando um leve empurrãozinho de ombro nela enquanto ria. Não demorou muito para ela arrumar suas coisas e olhar a hora. No momento que eu achei que ela iria se despedir e sair correndo, Lav fez exatamente o contrário. Pediu para ficar mais um pouco e eu não pude perder a oportunidade de fazer uma piada. – Óbvio que, não que absurdo, tem que perguntar para as árvores! – Disse num tom claramente sarcástico, seguido de uma risada.

Me ajeitei junto com ela e apontei para o outro lado da clareira – Está vendo esses fechos de luz? Esses pontinhos flutuando são os microrganismos, o clima daqui é quente e ainda mais aqui na clareira tem muita umidade. É perfeito para o solo, por isso tem árvores tão grandes aqui.