A aula de voo não havia se saído exatamente como eu planejei. Eu já sabia que não seria fácil, só não estava contando que seria tão difícil. Era para ser uma aula, certo? Eu havia ido até lá por estar interessada em ficar babando no professor, depois me interessei em dar o meu melhor como aluna porque eu era a única menina no time. Quando Aurora tentou me lançar o balaço, eu não só o rebati com destreza como ainda arranquei um elogio do professor. Eu estava com tudo! Só que o balaço não dera certo, e a menina resolvera me atacar com o cotovelo. A merda do cotovelo dela fora mais forte que a minha, me fazendo sofrer uma série de reviravoltas que incluíam ter chocado a lateral do meu corpo contra a parede e arranjado uma boa quantidade de roxos e uma dor forte nas costelas que acabara piorando conforme caminhava. Não queria ter uma consulta, mas talvez o enfermeiro plantonista pudesse me ajudar com alguma pomada, algum feitiço ou poção que salvasse meu corpinho lindo de ficar todo marcado. E a dor, claro, que não estava facilitando. Até para reclamar doía. Então a contragosto fui até a enfermaria pela primeira vez na minha vida, reparando que atrás daquela porta de madeira havia um cômodo bem grande, com janelas que certamente iluminariam muito durante o dia. Agora no início de noite, no entanto, a iluminação era feita por lampiões.

Não tinha nenhuma recepção, então que opção eu tinha? Comecei a andar mesmo dolorida, procurando por alguém que pudesse, sei lá, não ter me ouvido por ser surdo ou algo assim. Que demora para alguém dar sinal de vida além de mim. Achei um leito, o mais próximo da entrada possível, e com alguma força baseada no ódio tirei a blusa do uniforme. Não conseguia enxergar direito se estava com algum roxo já aparente na região das costelas, tampouco sabia se conseguiria subir na maca sozinha. — Tem alguém... aí? — Perguntei, fazendo força para usar o tom de voz mais alto possível, mas não sabia se alguém tinha me ouvido. Então pronto, eu daria um jeito de subir. Minha tentativa de jogar a perna por cima da maca para tentar subir o corpo foi tão dolorida que acabei soltando inúmeros "ai, ai" e então um grande — AAAAAAAAAAI! — quando acabei caindo no chão. E sabe, pelo menos eu estava deitada em algum lugar. Alguém deveria ter ouvido meu grito de dor, certo? Alguma alma apareceria ali para verificar minha saúde, pra ver se estava viva ainda depois de um grito tão doloroso.

Fiquei mais alguns instantes jogada no chão frio, que de certa forma até ajudava a deixar menos dolorido a região que esteve em choque com uma porcaria de uma parede. Deu tempo de refletir todas as vezes que eu havia cruzado com a ruiva anteriormente, mas foram tão poucas as vezes que não tinha sentido algum ela me odiar a ponto de querer minha morte. É sério, aquela menina estava com o capeta dentro do corpo, eu senti a vibe quando ela avançou pro meu lado duas vezes. — FOGO! FOGOOO! — Berrei, pensando que pelo menos assim eu teria a atenção de alguém. E foi aí que eu vi o bonitão chegando. Aquilo era um enfermeiro ou um deus grego? No mesmo instante me arrependi de ter tirado a blusa e deixado aquele sutiã tão feio ficar aparente para um homem lindo daqueles. — Eu, hm... colidi contra uma parede na aula de voo. — Anunciei como se justificasse a gritaria ou o fato de eu estar deitada no chão. — Agora minhas costelas doem quando caminho e quando respiro fundo. E bom, não rolou subir na maca ou cama ou o que quer que seja essa coisa. — Disse, fechando os olhos para fingir que não estava vivendo a cena mais embaraçosa da minha vida.

Nunca me elegeria a pessoa mais simpática do mundo, mas nem de longe eu era tão antipática para merecer ficar caída no chão de uma enfermaria meia boca, sozinha e com dor. Ou para ter sido vítima de uma colisão tão dolorida que eu ainda não entendia direito como havia acontecido. Queria chorar ou agredir alguém, mas não faria nenhum dos dois por estar ocupada fazendo parte daquele chão. O enfermeiro achou melhor me manter ali até saber o que havia de errado comigo, mas seu rosto nem disfarçava a infelicidade do mesmo em me ver ali. Era por eu ter gritado? Bom, a culpa não era minha se não havia ninguém ali para simplesmente me ajudar sem que eu precisasse gritar, com dores suficientemente grandes pra respirar. Não bastava estar demorando a vida para vir me atender, ainda chegara com careta de poucos amigos. Tentei manter minha respiração o mais tranquila possível, mas duas costelas quebradas? Eu queria rir do meu azar, mas estava difícil não chorar devido a dor e ao diagnóstico que eu não estava esperando. Achei que ele só diria algo como "é, foi uma batida feia, mas você vai ficar bem" e não "parabéns, barbie girl, conseguiu duas fraturas pro seu histórico médico". Além da cara de cu do bonitão que fazia jus as enfermeiras que ela conhecia no mundo bruxo: azedas e chatas. Elas tinham o motivo de serem pouco remuneradas, mas eu sabia que Castelobruxo não pagaria pouco para aquele jovem que não parecia muito mais velho do que eu. E novamente eu me questionei qual o problema que as pessoas naquela instituição tinham comigo.

A parte entre o feitiço de cura e o "sente-se melhor?" é que fora complicada. O desconforto e a dor pareciam ter aumentado e aí diminuíram conforme os ossos foram se remendando. Eu conhecia aquele feitiço de uma aula no quarto ano, poderia ter feito isso sozinha ou pedido para uma das meninas no dormitório e ter ficado livre de encarar a face tão desgostosa daquele chato. Fiz que sim com a cabeça, mas ainda estava dolorida. O resto do corpo que havia se chocado contra a parede poderia até não ter fraturas, mas a musculatura estava toda dolorida. Levantei-me com sua ajuda e com a força do ódio, sentando sobre a maca com uma cara de poucos amigos. E no que eu me sentei a minha linda bunda na cama gelada, um estouro me assustou de forma que eu me assustei de verdade e fiquei em pé em questão de segundos. Aí o bonito resolvera bufar, virando-se em minha direção e dando a última cutucada no dragão. Ah, eu poderia ir para a detenção, mas eu faria um relatório de umas quinze páginas sobre a ineficiência do enfermeiro plantonista do castelo, tendo a garantia de que isso vazasse de alguma forma para a comunidade e os pais dos meus colegas. — Olha só, eu tirei a porcaria da blusa pra facilitar de você conseguir ver o problema caso eu desmaiasse de dor. Ou o que, eu pareço o tipo de pessoa que gosta de ficar mostrando o sutiã brega no chão de uma enfermaria dessas? — Disse, movendo a mão do lado "bom" do corpo para gesticular. — Eu saí do meu dormitório para ter uma aula, não para ser atacada por uma colega, pra colidir com uma parede ou pra aguentar o seu humor azedo por causa de uma merda de uma poção. Estourou o que, uma polissuco? Vai demorar um mês inteiro pra fazer outra? Faça-me o favor de pelo menos fingir que minha dor não atrapalhou os seus planos noturnos e que minha presença não é um incômodo, porque eu tenho quinze anos, duas costelas recém recuperadas e eu mereço mais do que essas caretas. — Disse, me abaixando com dificuldade para pegar o tecido jogado no chão e virei de costas para vestir a blusa novamente. Não precisava de privacidade para cobrir o corpo, mas sim de alguns segundos para secar as lágrimas e me recuperar psicologicamente.