Havia algo de errado na Biblioteca.

Os sons suaves e silvestres dos vários pequenos animais que residiam aquela parte em particular de Castelobruxo eram cortados por um zumbido baixo de alunos conversando — não alto o suficiente para incomodar os veteranos ou seu trabalho, mas o suficiente para Paula assegurar-se de que estavam ali — e a Assis estava atrás de seu balcão, como sempre, catalogando a nova leva de livros que havia chegado, entregando alguns a Nico, o mico-leão-dourado, que guiava Jorge, uma jovem arara-canindé que havia chegado há pouco tempo na biblioteca. Eles estavam encarregados de leva-los a suas devidas prateleiras, e, para facilitar um pouco para Jorge, a jovem bibliotecária dava livros de mesma categoria, para que Jorge aprendesse como se localizar dentro da biblioteca.

No entanto, ainda havia algo errado na biblioteca. Uma voz de um adolescente soou como se estivesse apresentando algo — um apresentador de programa, daqueles que se veem em emissoras trouxas. Os olhos dourados de Uirá — sempre ao lado de Paula — se viraram para Thiago, um dos adolescentes problemáticos que haviam causado problemas na biblioteca antes. Era um olhar assassino, como se o estudante tivesse acabado com a paz de seu melhor hobby: passar o bico entre as penas, enquanto empoleirada sobre uma pilha de livros novos.

A jovem Assis suspirou, passando a mão no topo da cabeça do falcão peregrino, alisando as penas acinzentadas. O que aquele menino estava aprontando em cima daquela mesa?

Deixou que Uirá se empoleirasse em seu ombro e saiu de detrás do balcão. A música de Macarena havia começado e Paula franziu o cenho, enquanto via Nico se aproximar, escalando sua roupa para ficar em seu colo — agarrando-se em seu pescoço — com os olhos dourados brilhantes de curiosidade. Ele guinchou, e a Assis pôde adivinhar o que estava dizendo: “Esse cara é maluco?” ou “Isso parece divertido, posso participar?” Por via das dúvidas, a jovem o prendeu em seu colo, fazendo carinho no pelo macio e dourado de suas costas.

Outros veteranos começavam a se aproximar, enquanto os alunos começavam a rir e a se divertir, dançando junto com Thiago, em volta da mesa que servia de palco. Os animais silvestres de olhos dourados e brilhantes começaram a guinchar, reclamando — ou se divertindo, Paula não saberia dizer — da bagunça que se instalara.

A bibliotecária não conseguiu segurar Uirá, que saiu de seu poleiro — o ombro da Assis — e soltou um guincho tão alto que, por uns instantes, todos os barulhos de animais pararam, para, então, atacarem o jovem quintanista. Paula respirou fundo, com uma sobrancelha levantada, observando o falcão peregrino liderar um levante contra Thiago, que foi levado para cada vez mais fundo do labirinto que era a biblioteca de Castelobruxo.

A jovem Assis se virou para os outros alunos, que encaravam, perplexos, o que restava do levante. Um lado de seus lábios se levantou em um meio sorriso, enquanto levantava um ombro.

— Nunca irritem os veteranos. — disse, dando de ombros, como um aviso aos alunos remanescentes.

Ao se virar, sentiu Nico subir por suas pernas, agarrando-se em seu pescoço e entregando-lhe um celular. Uma risada baixa saiu como uma respiração bufada de seu nariz, e fez um carinho singelo na cabeça do mico-leão-dourado, seguindo para onde vira que onde fora a debandada.

Uirá voltou não muito tempo depois, empoleirando-se novamente no ombro de sua protegida, indicando-lhe o caminho para o qual haviam levado o aluno do quinto ano.

Parecia uma sala como muitas outras que haviam escondidas dentro daquele labirinto de prateleiras, mas dois veteranos a guardavam — um tamanduá bandeira, chamado Frederico (Paula o havia apelidado de Fred) e um gato-do-mato, chamado Francisco (que Paula apelidou, carinhosamente, de Chico) — indicando que haviam prendido o menino dentro da sala.

— Então nós vamos brincar de polícia agora, não é? — disse a bibliotecária, com um meio sorriso nos lábios, recebendo o aceno de cabeça dos dois animais.

Paula entrou na sala, com Uirá empoleirada em seu ombro e Nico pendurado em seu pescoço, vendo Thiago sentado em uma cadeira de madeira acolchoada, com as roupas em farrapos e o cabelo desgrenhado. Ele parecia levemente assustado com o que acabara de acontecer — ninguém espera que animais irritados façam tanto contra o seu alvo — e a jovem estudante de bibliotecomagia deu-lhe um sorriso afável, empunhando a varinha e conjurando um cálice de água, empurrando-o para o garoto. Sentou-se na cadeira a frente dele, do outro lado da mesa quadrada de madeira, com desenhos variados entalhados no tampo.

— Você fez uma bela apresentação lá fora. — disse a jovem bibliotecária. — Infelizmente você irritou nossos veteranos. E, também, você infligiu uma das leis mais antigas de todas as bibliotecas conhecidas mundialmente: fazer silêncio. Por isso, eu tenho que te castigar. — observou as expressões do garoto e cruzou os braços, ajeitando-se confortavelmente na cadeira. — Então você vai trabalhar com o Nico. — Nico olhou para ela com os olhos arregalados e a jovem fez carinho em sua cabeça até ele se acalmar — Vai ajuda-lo a colocar os livros em seus devidos lugares, sem magia, até o final das aulas. E você vai ter que respeitar todas as coordenadas dele, senão sua penalidade aumentará um dia. — suspirou, ainda fazendo carinho na cabeça do macaco — Todos os dias, a partir de hoje, você vai trabalhar na biblioteca depois das aulas, e me ajudar a colocar ordem nas coisas, junto com os veteranos. Você vai ser subordinado do Nico, e a Uirá me ajudará a vigiá-lo, caso você não respeite sua detenção. — Paula sorriu de lado, tombando a cabeça levemente para o lado. — Entendeu tudo o que eu disse?

[Off: O personagem Thiago Vinicius Muniz será punido com um mês de detenção, por isso terá que fazer posts narrando seu trabalho na biblioteca, necessariamente com Nico, o mico-leão-dourado, todos os posts ambientados entre o dia do ocorrido e dia 30 de Junho. A cada post narrado, o player lançará o dado IM-0 (1-10), e a detenção só poderá ser finalizada quando a soma dos dados completarem 30 pontos]

Então era isso.

Nico estava em seu colo e parecia rabugento, olhando de Paula para o garoto do outro lado da mesa — não parecia querer acreditar que seria babá do pirralho que fizera toda aquela balburdia — enquanto a bibliotecária estava com uma sobrancelha erguida, olhando para o garoto com um sorriso pequeno e quase divertido subindo o canto de seus lábios. Ela pegou o celular do menino — que, por um milagre, não havia sido pisoteado pelos veteranos — e o colocou na mesa.

— Então, toda essa bagunça por causa de um vídeo? — perguntou a jovem bibliotecária, seus lábios se abriram mais com o sorriso divertido — Vai postar no Witchgram? — a capixaba o olhou com uma sobrancelha arqueada.

Paula arrastou o aparelho pela mesa de madeira entalhada, entregando-lhe o celular e vendo-o mexer em alguma coisa, até que achou o vídeo que havia sido gravado. O som ambiente da biblioteca foi interrompido pela voz abafada de Thiago, quando anunciou sua apresentação e começou a cantar a música da Macarena. A Assis conseguia imaginar o que estava se passando na tela do celular, até o momento que os guinchos irritados dos animais interromperam o espetáculo.

Nico se remexeu, irritadiço em seu colo, Uirá desceu de seu ombro, empoleirando-se na mesa e ameaçando a dar alguns passos com suas garras na mesa. Paula passou a mão na cabeça da veterana para acalma-la, alisando algumas de suas penas, e acalmando a fera. O barulho do vídeo passou e o garoto abaixou o celular, olhando para a bibliotecária e para o animal sobre a mesa cautelosamente. A jovem sorriu, e ergueu ambas as sobrancelhas.

— Bom. Acho que Uirá não gostou de ser filmada sem que pedisse a sua permissão. — disse — Valeu a pena fazer isso tudo por causa de um vídeo, Thiago? — a capixaba suspirou com pesar. — Espero que aprenda a lição, e eu agradeceria muito se os veteranos do castelo não aparecessem em nenhum vídeo do Witchgram... Eles não gostam tanto assim de exposição. Entende? — sorriu de lado, e olhou para Thiago — Espero que o que aconteceu não se repita, e pode avisar aos seus amigos o que pode acontecer caso irrite os veteranos. Tudo bem? — a jovem mordeu o lábio e apoiou os cotovelos sobre a mesa — Bom, se entendeu tudo, e se prometer não fazer isso de novo, posso pedir ao Fred e Chico que o deixem sair... — Uirá a olhou e Paula suspirou. — Você tem que pedir desculpas a Uirá, também, por ter causado o tumulto na biblioteca. E depois você pode ir.