Estava escorado na parede, os braços cruzados em frente ao peito e os olhos brilhando ansiosos. Ele não tinha um relógio nos pulsos, mas sabia que era quase 20h, e logo Luca apareceria na saída do dormitório do quinto ano. Tinham um encontro e, apesar de tudo- de seu ego massageado e da confiança que costumava exibir- o batedor dos carcarás estava sutilmente nervoso. Não nervoso o bastante para suas mãos suarem, mas nervoso o suficiente para mordiscar o canto dos lábios.
A sensação impertinente de desconforto se dissolveu assim que Luca atravessou a soleira da porta e Vicente pode vê-lo. Demorou seu olhar sobre ele, querendo assimilar cada detalhe do rosto bonito e guardar num canto secreto da mente, para reviver sempre que quisesse se lembrar dos cílios espessos que sombreavam seus olhos, da forma como os ossos das maças do rosto criavam ângulos impecáveis, do contorno dos lábios...Umedeceu os próprios lábios com a ponta da língua, ansioso por tocá-los. O rosto ganhou as curvas de um sorriso e o perfume de lavanda que o atingiu fez os nós dentro de si desatarem, relaxando sua postura no processo. É verdade, já estavam juntos há algum tempo e muitas coisas tinham acontecido nestes meses, mas a sensação de borboletas no estômago ainda estava lá, inebriando-o com um misto de nervosismo e excitação.
Enlaçou-o pela cintura, trazendo o corpo esguio para perto do seu a tempo de envolvê-lo num abraço que, por ele, poderia tomar a noite toda. A mão direita buscou por sua nuca, ansioso pelo beijo que a mente tinha idealizado segundos atrás e, quando enfim sentiu a pele quente e macia nos próprios lábios, soube que as borboletas no estômago voaram alvoroçadas.
_Oi. – Disse em meio a um sorriso, quando finalmente abriu os olhos para vê-lo novamente. – Você ‘tá lindo. -  voltou a reclinar a cabeça, dessa vez roçando o nariz pela pele macia do pescoço pálido. – E cheiroso.
Deixou um beijo rápido próximo a mandíbula do garoto e meneou a cabeça para cima com um grande sorriso nos lábios, indicando que pretendia levar Luca aos níveis superiores de Ybirá. Mais cedo naquele dia tinha arrastado até lá a maior quantidade de almofadas macias que conseguira encontrar no dormitório dos carcarás. Os tecidos que cobriam as camas também foram surrupiados por um bom propósito e agora faziam parte da composição do cenário improvisado, compondo um ambiente aconchegante. Deixara a iluminação por conta do brilho natural das frutas encantadas e da pouca luz da lua que atravessava a copa densa de folhas. Estar em Castelobruxo limitava um pouco suas opções, mas nem por isso deixaria de passar momentos agradáveis com o namorado.
Tomou a mão do mais novo na sua, entrelaçando os dedos e apertando-a levemente enquanto caminhavam na direção dos níveis superiores.  O nervosismo de Vicente voltava mais rápido do que ele imaginava. Ele não era muito romântico e a ideia de desapontar Luca logo no primeiro encontro oficial o estava pondo em parafuso.
Ele já conseguia ver o brilho das frutas quando estagnou e um suspiro irrompeu de seus lábios nervosos. Mais alguns passos e ele olhou para Luca com um sorriso contido, esperando ver qualquer que fosse a reação do namorado, embora estivesse temeroso.
_Não é o lugar mais bonito de todos, e também não é tão bom quanto eu quero te dar. – Confessou sem jeito, terminando por morder o canto do lábio. – Mas assim, eu talvez possa te levar para vários outros encontros e você escolhe o que mais gostou...
Lançou um olhar de esguelha para o que tinha preparado, cruzando o olhar com as flores coloridas que enfeitavam o meio do tecido esverdeado e as tigelas de frutas frescas, que ele fizera questão de colher. Duas fatias do bolo de chocolate que havia sido sobremesa no jantar estavam postas lado a lado, junto de um cantil que havia sido preenchido com suco de uva. Ambos pareciam zombar de Vicente.
_Vem, vem sentar. – Convidou, permitindo o sorriso tomar espaço em seu rosto e deixando de lado a insegurança. – Eu sou um grande chefe e preparei, como você pode ver, variedades frutíferas para o seu deleite.

O sotaque carregado de Luca Coelho era, por si só, uma característica que aguçava os sentidos de Vicente. A forma como as palavras saíam sonoras e quase cantadas costumava dar a Luca aspectos poéticos naturais. A tentativa de pronunciar as palavras em francês, entretanto, fez o batedor perceber que seu namorado era capaz de se tornar cada vez mais instigante.
_Ah, você fala francês, é? – Disse, enquanto tinha o rosto beijado pelo outro garoto. – Então sabe o que quer dizer I love you? É moreno, em francês. - Brincou, referenciando-se a um de seus filmes preferidos, inclinando o rosto na direção do pescoço pálido do outro e deixando ali um cheiro. Queria ele ter o charme de Chicó.
Como já havia imaginado, Luca evitava as frutas a todo custo, mas ao menos a sobremesa surrupiada pareceu agradá-lo.
_Se eu começar a cobrir frutas com chocolate, você come? - Zombou, revirando os olhos e comendo algumas pitangas. Não foi preciso ouvir de Luca para saber a resposta- o menino parecia ter aversão a tudo que era vegetal.
Quando Coelho tomou a case do violão nas mãos, os lábios de Vicente ganharam as formas de um sorriso. Embora não fosse conhecido pelos pensamentos ligeiros, Ventura tinha arquitetado que o silêncio da copa faria surgir em Luca a vontade de cantar e, bem, era exatamente isso que ele queria. Gostava quando o garoto tomava o violão nas mãos finas, e junto ao som das notas dedilhadas, cantava canções que, em sua voz, ficavam ainda mais bonitas. O batedor ficava tentado a fechar os olhos e se deliciar na melodia, mas havia algo de magnético e hipnótico em observar os movimentos de Luca enquanto ele cantava. A forma como seu cabelo se movia contra o rosto enquanto a cabeça se mexia, o movimento dos lábios e as curvas suaves da língua que se contorcia, dando às palavras o seu próprio significado.
Os olhos verdes costumavam se fechar em algum ponto e era nesses momentos que Vicente percebia que o namorado estava sendo levado pela música, entrando em harmonia com o seu som. Olhava-o com trejeitos atordoados- os olhos escuros brilhando em admiração, combinados ao sorriso bobo de quem se dá conta da sorte que era ter tal companhia.
_ Como você ainda acha que ficaria ruim, amor? - Indagou o mais velho, com a voz soando branda e enfeitiçada. Aproximou-se de Luca e tirou o violão de suas mãos, inclinando o corpo o bastante para que seus lábios pudessem se encontrar no meio do caminho. Ser beijado por Luca era como ser uma partitura silenciosa e, de um instante para outro, tomar as formas de uma melodia. E, para melhorar, seus lábios naquele momento tinham gosto de chocolate. -  Eu sou suspeito para falar, mas acho a minha opinião muito importante e, segundo ela, você é o melhor cantor do mundo.
Bastava o quintanista começar a cantar, que Ventura se derretia e só fazia suspirar. Para o batedor, isso era maior que qualquer título.
O rosto estava iluminado quando se afastou, calmamente, como quem não pretendia ir muito longe. Posicionou o violão em seus braços e, apesar de parecer a forma incorreta de se fazer, olhou para as cordas tentando compreender como é que faziam música. Dedilhou-as e um som abrupto e desarmônico ecoou pela copa de Ybirá.  Direcionou os olhos para Luca, arqueando as sobrancelhas.
_Como é que faz pra ficar bonito igual quando você toca? – perguntou, os lábios formando um biquinho chateado com sua própria inabilidade musical. – Você pode me dar umas aulas particulares, né? Eu pago com cafuné. - E o que mais Luca quisesse. – Como é que eu faço um sol?
Cortou um pedaço do bolo e levou-o à boca, dirigindo sua atenção ao namorado, à espera de uma orientação.