O sol naquela sexta-feira havia despertado escaldante e muito antes do combinado para um dia de inverno, ou ao menos essa era a impressão sentida pelo ex-auror. Aldebaran não tinha muita certeza como foi parar em sua cama nos cômodos privados de zelador, no quarto andar da escola de magia brasileira, porém acordara às cinco da manhã de hoje com uma puta dor de cabeça e em dúvida se sua língua havia sido usada como ninho de explosivim, ou se a secura era culpa de algum basilisco que tinha trocado as escamas em sua garganta, ou ambos. Entretanto, a ressaca que assolava o moreno não era de longe a pior que tivera, muito menos a pior que fora forçado a suportar durante um dia de trabalho. “Ah, as festas universitárias americanas saca, isso sim era uma parada pelo que valia a pena levar sermão.” Permitindo que um sorriso saudosista tomasse conta do seu rosto, o jovem olhou uma última vez para o céu, fomentando mais uma maldição para a claridade — quase completamente escondida por nuvens cinzas — antes de adentrar o pórtico de um dos túneis secretos-não-tão-secretos-assim do térreo da pirâmide de ouro.

Em busca de reduzir o ritmo qual batia seu coração após a pequena corrida pelos terrenos da escola, o Maldonado tentou se distrair com os desenhos que dominavam as paredes, vários contos da cultura bruxa brasileira dançavam pelos corredores, sempre em movimento e sempre vivos, passando sua história a todos os baderneiros que por ali escapavam. “Keisha adorava isso aqui, porra, quantas vezes não fomos pegos filando aula por que ela quis assistir mais um mito sendo contado?!” Rindo sozinho, Ald não pode deixar de relembrar a infância passada no castelo, os dramas de um adolescente curioso pelo mundo lá fora, pelo gosto do perigo… e pela baderna. “Mainha sempre dizia que era sorte que eu era tímido, pelo menos assim eu ia pra detenção sozinho.” Bem, sozinho até o terceiro ano, quando Kiki sentou ao lado do pequeno garoto escondido atrás de um livro sobre ‘O Filho de Iemanjá’ e perguntou se o menino queria se juntar a ela na busca ao Murutucu Arco-íris.

Desde então os dois não se desgrudaram, chegando ao ponto de se considerarem irmãos, tanto que aquela menina decidida, de cabelos encaracolados e olhos cor de obsidiana, foi uma das razões para o jovem não desistir de toda aquela baboseira de magia e voltar a frequentar a escola para crianças não-mágicas em Salvador. “E o resto é história, como diria ela.” Sabendo que um sorriso bobo desfilava através de seu rosto, o moreno achou por bem planejar de ligar para ela após fazer sua ronda no castelo — e tomar uma boa ducha para tirar a sujeira da corrida —, e matar as saudades, quem sabe talvez até dar uma de irmão bisbilhoteiro e arrancar alguma informação sobre o novo caso auror dela. Afinal, fazia um certo tempo que eles não conversam pra valer, as duas horinhas em que ela fez sala para Alde após recebê-lo no ponto de chave de portal internacional, e os minutos antes dele desmaiar no sofá dela com uma garrafa na mão ontem, bem, não eram nem de perto tempo suficiente.

Decidido com o novo afazer em sua lista, o zelador escapou do mar de corredores do térreo e subiu para o primeiro andar, deixando a atividade de checar o moinho para depois também, com o objetivo de passar pelas salas e arruma-las e/ou recolher itens perdidos para o almoxarifado. Aquela tarefa era usualmente realizada pelo rapaz após as últimas aulas no período vespertino, no entanto, como ontem ele tivera um dia livre para cuidar de sua papelada e da mudança para o dormitório no quarto andar — não tendo conseguido concluir nenhuma das duas missões —, e terminara a noite bêbado e babando no sofá de outra pessoa, ele se via forçado a fazer a ronda antes do horário da primeira aula. Assim, malmente o marcador do relógio de pulso havia descansado seu minuto nas seis horas, quando Aldebaran abriu com delicadeza a primeira porta do corredor das salas de aula.

Receioso de acordar o docente que possivelmente ainda estava nos reinos de Morfeu, o Maldonado adentrou em silêncio, e a passos largos andou pelo cômodo em busca de algo fora do lugar. Sem muito com que trabalhar, apenas recolhendo um caderno com capa de quadribol, e recolocando em fileira duas carteiras próximo ao final da sala, que poderiam pertencer a um casalzinho chiclete. Passando os olhos sobre os arredores, o garoto percebeu que não havia tanta necessidade de lançar um feitiço de limpeza no local, planejando em fazê-lo apenas depois da última aula da semana, onde ele poderia então cuidar de deixar o cômodo brilhando de limpo do chão até o teto sem medo de fazer zuada. Saindo da sala, o rapaz prosseguiu para a próxima porta, fazendo uma inspeção rápida do local, e logo deixando-a para trás ao perceber que não havia muito a se fazer. A investigação dos ambientes foi realizada nas salas conseguintes, e foram poucas as que precisaram de muita atenção por parte do jovem.

Entre recolher livros, cadernos e materiais de escrita, e arrumar manualmente as cadeiras, o moreno começou a cantarolar no fundo da garganta a canção do Xamã que tocava em seu fone, tentando ao máximo manter o som que escapava de si baixo, enquanto se perguntava quão grosso era as paredes e se tinha algum feitiço de isolamento acústico entre a sala e o quarto privado. “Bem, se surgir alguma reclamação de maltrato a um Agoureiro nas salas de aula terei minha resposta.” Fazendo uma cara apologética para o ar, Alde recolheu uma dúzia de papeizinhos embolados sob o tampo da mesa e os colocou no bolso de trás da bermuda de moletom, saindo da sala e seguindo para a porta do outro lado do corredor. Abrindo a porta, as íris cor de carvão dançaram sobre o círculo de cadeiras que se desenhava no meio da sala, possível resquícios de uma aula um pouco mais diferente, e o garoto não conseguiu evitar uma destra de subir momentaneamente e coçar a barba em reflexo a mente que matutava. Mordendo o lábio em receio com a zuada que isso provocaria, o rapaz levou a mão ao bolso e puxou a varinha, e com dois movimentos rápidos, dois feitiços foram entoados pelo Maldonado, ecoando em sua mente. O primeiro a escapar da ponta da varinha do menino foi um Locomotor que tinha como objetivo levantar as mesas da sala e mantê-las no ar enquanto o segundo, um Tergeo iria ser lançado no chão para poder retirar as impurezas ali presente.

Considerações: