História da Magia poderia ser uma de minhas matérias favoritas, mas ter de estudá-la por horas em meio a uma crise de identidade numa sexta-feira chuvosa parecia muito desagradável. Mas não tinha escolha — ou enfiava a cabeça nos livros, ou teria notas ruins em pleno início de semestre. Por tal razão, apanhei meu livro, estojo e alguns pergaminhos e rumei até a biblioteca, fazendo o possível para não alarmar ninguém com o ranger da porta abrindo ao adentrar o cômodo. Fechei-a cuidadosamente, logo inspecionando o local à procura de uma mesa vaga.

Havia uma mesa de estudos disponível próximo à janela — me distrairia com os pingos de chuva, mas era a única que tinha sobrado em meio a tantos estudantes desesperados assim como eu. Abri o livro no capítulo que estávamos estudando: o Egito Antigo. Era de fato interessante, mas tinha me perdido no assunto depois de dormir uma aula inteira devido à privação de sono vivenciada no dia anterior, quando meus pensamentos não me permitiram adormecer. Tinha de focar, focar nas páginas. Logo iniciei minha leitura, grifando com tinta fluorescente mágica — vulgo baba de dragão, o qual esqueci a espécie — as partes que considerava mais importante.

Capítulo 4: Mitos e Lendas Egípcias. Parecia interessante e promissor, se aquele maldito moleque no canto parasse de batucar na mesa. Olhei para a janela revestida de pingos de chuva; seria uma tarde perfeita para um longo cochilo, mas ali estava, estudando os faraós. Vejamos, Neterus primordiais: Nun, Atum (abafei uma risada), Amon, Aton, Rá... Eram muitos. Soltei um suspiro impaciente, me reclinando na cadeira e passando as mãos pelo rosto em desespero. Até ouvir o ranger da porta e me deparar com ela.

Ok, ok, vejamos onde estávamos... Neterus da segunda geração. Hórus, Hator, Tot, Anúbis... Anúbis parecia muito interessante aos meus olhos. Até, claro, algo muito mais interessante surgir a par de meus olhos. Ela, a loirinha que eu já tinha dado umas olhadas pelos corredores ou nas salas de aula. Era, de fato, linda. A garota havia acabado de por os pés na biblioteca e estava tendo uma conversa com a doce sra. Torres; isto é, até você fazer algum mísero barulho que pudesse perturbar o equilíbrio natural de sua biblioteca.

Me ajeitei na cadeira onde estava sentado, unindo as escápulas e me reclinando no assento. Tentei voltar minha atenção para o livro mas era impossível, não com ela ali. Podia até mesmo sentir seu perfume doce; mel, flores, algo do tipo? Não consegui identificar. Me recostei na cadeira e tentei continuar minha agradável leitura sobre mitologia egípcia. Seth, o Deus do Caos, me parecia decerto ter uma história relativamente interessante. Com sua cabeça de cão, foi o responsável pelo primeiro assassinato do mundo. Uau... Isso tudo poderia soar muito mais empolgante se ela não estivesse... caminhando em minha direção?

Fui pego de surpresa, fiquei sem reação por alguns segundos, perdido em seus olhos. "Oh, oi. Pode, claro, deixe-me..." levantei-me num pulo e puxei a cadeira para que ela pudesse sentar, logo voltando aonde estava. "Cadu. Carlos Eduardo, mas todos me chamam de Cadu", me apresentei, um sorriso inesperado cobria meus lábios. "Sou do sexto ano. Se quiser, posso te ajudar com seu assunto", sugeri, vendo ali uma forma de ficarmos mais próximos.