Estava animada.
Eu ia ver meu tio Apolo pela primeira vez havia muito tempo — acho que meus avós, os pais deles, era meio fissurados por mitologia grega, por isso todos esses nomes — e ficara animada quando meu pai dissera que ele trazia um presente para mim, da França. Enquanto arrumava minhas coisas — uma mochila para passar dois dias e meio em Tekoa — peguei-me olhando para uma foto que imprimira de um grupo de amigos meus dos quais havia me separado quando fui transferida para Castelobruxo.
Vivienne, Alison e Oliver. Nós estávamos ali, juntos e espremidos em uma daquelas enormes máquinas trouxas para tirar fotos, que encontrávamos nos shoppings de Paris. Por algum motivo, Vivienne adorava aqueles shoppings. Por vezes fora para a França, passar algum tempo na casa de seus pais — ambos trouxas — e, nesse dia em específico, Alison e Oliver resolveram aparecer de surpresa em sua casa.
Ela morava no centro de Paris, e não era uma viagem muito difícil, se eu soubesse o trem certo a pegar do centro de Genebra. Lembro que nesse dia, Ares ficara extremamente preocupado, ligara-me a cada três horas, perguntando se eu estava bem, e segura — como se eu precisasse mais do que as aulas de autodefesa que ele me dava todos os dias das férias.
Claro, não podia usar magia fora da escola, então, deu-me uma faca encantada para passar por qualquer detector de metais, que eu escondia — com a bainha — no cano da bota que me acostumara a usar. Sim, essas eram as preocupações de Ares S. Rayleigh em relação a sua única filha. E, sim, ele deu uma arma letal a sua filha para ir a Paris, visitar uma amiga.
Talvez nossa família não seja tão convencional assim, mas eu nunca havia me importado com isso.
Bom, lá estava eu, arrumando minha mochila. A katana estava muito bem guardada em sua bainha, no fundo da mochila, junto com algumas roupas para usar durante o festival. Eu estava com minhas inseparáveis botas de couro — as mesmas que eu usava como uniforme — e shorts jeans rasgados, e com a fotografia na mão. Passei a mão suavemente sobre os cabelos platinados de Vivienne e suspirei, eu sentia falta dos meus amigos.
Havia se passado meses desde a última vez que conversamos. E, eventualmente, perdemos o contato, afinal, eu não morava mais há cinco horas de distância.
Suspirei, colocando a foto na mochila e pendurando-a nas costas. Coloquei um sorriso nos lábios. Bom, agora eu estava namorando, e tinha grandes chances de encontrar com minha namorada no meio do Festival — o que seria mais do que fantástico. Seria uma boa viagem.
— Você nunca vai ter certeza disso, Maria Fernanda. — ouvi uma voz dizer atrás de mim e olhei para trás, sobressaltada, mas não havia ninguém.
— Tem certeza de que não tem ninguém? — a pessoa estava atrás de mim novamente.
Eu abri um pouco a mochila, colocando a mão no cabo da katana que estava ali, estreitando um pouco o olhar e dando uma volta com os calcanhares, a fim de ver o que estava acontecendo.
Uma sombra passou pelo canto dos meus olhos e, em um movimento súbito, saquei a katana, colocando as duas mãos prontamente no cabo de faixa azul e apontando a espada para... O meu pai?
Quê?
Meus olhos se arregalaram em surpresa. Ele não estava ali havia apenas alguns instantes! Ele me encarou severamente e eu abaixei a lâmina rapidamente, sem querer fazendo um corte superficial em minha perna, fiz uma careta para o ardor e para a visão do fio de sangue que escorreu pela minha batata.
— Merde.— murmurei, olhando para o corte, fino e superficial.
Ele me olhou e suspirou. Pegou minha katana e disse que era melhor deixa-la aqui, por hoje. Eu assenti, colocando a lâmina na bainha e escondendo-a em seu lugar de sempre, sob a cama, e, então, Ares me chamou.
Nós estávamos prontos para ir para a Estação Florestal da Capital.
Foram 45 minutos da Estação Florestal da Capital, até a Estação Florestal Amazônica. Os 45 minutos mais longos pelos quais já tive que passar.
Eu estava ansiosa. Será que Paulla estaria lá? Será que eu iria encontrá-la? O que meu pai iria dizer se eu disse que a estava namorando? E, pior do que tudo, será que aquela sombra ainda estava me perseguindo?
Em todos os momentos eu olhava para trás, procurando-a, mas não a via. Desde que saí da estalagem onde eu e meu pai costumávamos ficar na Capital Acreana, a sombra e sua voz áspera e sussurrante haviam sumido. Será que havia sido coisa da minha cabeça? Bom, não seria a primeira vez.
Os aurores nos guiaram por uma ponte de pedras, nos levando para a Aldeia. Uma estrutura de madeira estava decorada com inúmeras bandeirolas, intercaladas com pequenos ramos de erva e garrafas de um líquido transparente. O que haviam dito na aula mesmo? As caiporas gostavam de fumo e cachaça? Bom, parecia exatamente aquilo.
Eu e Ares fomos para a recepção, onde aurores e seguranças nos esperavam para revistar nossas coisas — e eu agradeci mentalmente por não trazer a katana — e uma senhora cigana nos recebia, cadastrando-nos para participarmos das atividades — ou não. Sorri para a mulher enquanto me cadastrava, junto com o meu pai. Ele decidiu onde íamos ficar — barraca ou quarto na estalagem — e começamos a andar pela aldeia.
E foi nesse momento que ouvi uma voz atrás de mim. Dessa vez uma voz feminina, mas não parecia áspera ou perigosa, como a voz que me assustara na Capital, não. Essa voz era mais suave e melodiosa... Com um tom mais grave e...
— Quem é você? — perguntei, em um francês fluente, respondendo a mulher, olhando para a mulher de cabelos loiros e olhos claros, que tinha uma vaga semelhança com o meu tio Apolo. Ergui uma sobrancelha e olhei da mulher, para o meu pai, que exibia um raro sorriso no canto de seus lábios.
— Pai, ela não lembra o tio Apolo? — perguntei, encarando a mulher prostrada a nossa frente.
- Entrada:
Decisões cabíveis ao homem com o dinheiro, vulgo, Ares.
Maria está se inscrevendo como PARTICIPANTE dos eventos