Laço – um nó elegante, pulcro, com fácil desamarrar. Nó – o entrelaçar de dois fios, extremidades que se conectam; apertado, simples, desairoso, se desamarra com dificuldade. As relações entre os humanos e seus sentimentos podem ser descritos dessa forma. Uniões sólidas, concretas, ou relacionamentos esteticamente belos, frágeis, que não perduram o tempo. Observar a humanidade caminhar era, de fato, uma experiência única para a sueca. As ações e reações preenchiam sua mente, moldando formas, pincelando pensamentos de tons variados, compondo uma sinfonia melancólica, profunda, onde as histórias podem ser contadas, ouvidas e sentidas, assim como nos mais tradicionais concertos do ilustre polonês Chopin.

A pequena concentração singular de vasos sanguíneos se fizera presente nas pálpebras inferiores, indicando uma pigmentação periorbitária; indícios de uma noite mal dormida. O vento insistia em soprar os fios de seu cabelo para trás, acariciando o rosto simétrico, proporcionando frescor. O olhar vagava pelo imenso céu cerúleo, voando como a esfinge – um grande leão com asas e cabeça humanoide.

As íris safiras se tornaram mais vívidas e iluminadas quando o pequeno lírio ouviu os passos e, em seguida, a voz de Flora – sua irmã caçula. O famoso sorriso ladino de Lilium tomou forma nos lábios carnudos e róseos, mas logo se desmanchou ao girar o corpo lentamente na direção daquela que a esperava. A flor da inocência a fitou, mantendo o rosto erguido, os lábios selados.  

— Ora, ora, o que temos aqui. Uma flora inteira para receber um mero lírio branco. Eu senti sua falta, sistah. – sibilou a morena, umedecendo os lábios com a ponta da língua. — Ah, vou parar de ser a frívola do Norte, vem cá, me abrace.  

Antes que Flora pudesse se pronunciar, a bruxa mais velha a tomou em seus braços, pressionando um corpo contra o outro num caloroso abraço. Lilium era incapaz de proteger sua irmã e seguir a mesma durante os estudos, mas sempre se sentia feliz quando a encontrava; mesmo não demonstrando a intensidade de seus sentimentos. A conversa não fora longa, afinal, um velho conhecido as aguardava não tão longe dali.  

Dois quartos de hora fora o necessário para se aprontarem e aparatarem na famosa Ilha do Farol em Arraial do Cabo, Rio de Janeiro. Devido a pouca idade, Flora não pode fazer o trajeto sozinha, mas sua irmã a guiou durante a aparatação, fazendo com que ambas chegassem em segurança. Ao desvencilharem os corpos, Lilium movimentou os braços num espreguiçar manhoso, fechando ambos os olhos, sentindo a brisa fresca acariciar sua pele alva.  

A saída de praia branca, em estilo túnica, cobria parcialmente o corpo da mais velha, se assemelhando a um vestido com gola V, porém, em um comprimento mais curto, destacando o toque veranesco. A vestimenta foi confeccionada a base de um tecido leve, com rápida secagem e respirabilidade, além de bloquear imperfeitamente a entrada dos raios ultravioletas. Sim, a sueca procurava se manter protegida do beijo solar brasileiro, pois, infelizmente, sua pele sempre se mostrara sensível, o que a fez procurar tecidos com proteção UV+ 50. As pernas expostas não a incomodavam mais, tampouco sentia a vergonha inicial de quando chegara ao país pela primeira vez.  

O clima ameno, a água quase translúcida e os raios solares eram convidativos, como se a natureza os abençoassem com uma bela manhã. Por ser um lugar protegido pela Marinha do Brasil, o acesso à praia do farol é limitado, o que torna o local perfeito para aquele encontro. O lugar estava deserto, os barcos ainda não haviam atracado em sua costa para o desembarque dos turistas.

Os olhos felinos avistaram uma silhueta masculina postada sobre a rocha mais próxima da água. Ele parecia inerte, perdido em devaneios, ou somente apreciava a cristalinidade daquela imensidão azul. Lilium pediu para que Flora se mantivesse em silêncio, enquanto elas caminhavam vagarosamente, tentando não afundar os pés na areia esbranquiçada. Segundos depois, as pequenas mãos de dedos esguios tomaram o rosto do rapaz; aquela mesma figura que seus olhos contemplaram anteriormente. Cobrindo somente os olhos de Rhysand, a nórdica aproximou os lábios do lóbulo da orelha de seu amigo, quase os colando na pele leitosa do mesmo.  

— Eu não sabia que vampiros gostavam de sol. Muito menos que vamos infringir algumas leis da Marinha brasileira ao nos deliciarmos com as águas claras desta praia. – sorriu após as últimas palavras, afastando o corpo, endireitando a postura. — Sim, Flora. Podemos ser presas por estarmos aqui. Isso não é muito divertido? Eu ainda descobri, irmãzinha, o registro de uma carta náutica de Américo Vespúcio mencionando uma arvore que marca o centro da praia. Ela fica protegida por uma cerca. Os trouxas seguem as leis dos homens, mas eu aposto que aquele belo caule esconde misteriosas propriedades mágicas. E eu não seria sua irmã mais velha se não tentasse roubar ao menos um galho, certo?  

Apesar do nome, o lírio branco jamais fora regado de inocência. Seus lábios mostravam um sorriso ladino, e os olhos, o velho olhar afiado como a lâmina de uma espada, pronto para penetrar a alma daqueles que o fitassem. As mais simplórias flores possuem as melhores fragrâncias; ou os venenos mais letais.