— Mas você não sabe dizer ninguém que poderia me conseguir isso? Tá, tá. Valeu, Fran. — a fala do Assis já começava a tornar-se robotizada, cansada, quase desesperançosa. Já havia ligado para quase todos os magizoologistas e pesquisadores de criaturas mágicas em sua agenda, e tudo que ouvia era "não, infelizmente não tenho como ajudar, boa sorte", e alguns nem falavam todas essas coisas, e nem tão gentis quanto poderiam ser.

Para o bem de sua família, a perseverança de Miguel era maior que tudo, resultando no docente passando mais horas atrás de contatos que o pudessem ajudar. E não é que encontrou? Bendito seja a caipora piadista do telefone sem fio que fez um amigo antigo do Barni saber da situação e achar que Bianca estava já morrendo, se não fosse o mal entendido, talvez ele não teria descoberto que a mãe desse amigo tinha uma fênix na propriedade da família em Tierra Viva.

— Um amigo acaba de me ligar e passar o endereço da mãe dele em Tierra Viva, parece que eles tem uma fênix por lá. Eu já liguei para todos os meus contatos e esse é o único jeito’, irei lá tentar, tá bem? — disse de prontidão ao voltar no quarto, onde Bianca agora estava sozinha, em seu repouso absoluto. O olhar preocupado pairou sobre o rosto da namorada por um tempo, pensativo, até que mudou de direção, inconscientemente encarando a barriga ainda em crescimento, um sorriso bobo brotando do nada. — Eu te amo, sua doida. Não se mete em confusão até eu voltar, tá? — e mesmo que não estivesse muito no mood de piadinha, acabou sorrindo um pouco mais abertamente antes de dar um selinho demorado na loira encrenqueira, sabia que o tempo dele ir e voltar era o máximo que ela conseguiria ficar quieta, mas não podia esperar demais, pegou um frasco vazio, o limpou e saiu ligeiro do hospital rumo à estação florestal mais próxima.

”Seria bom ter trago Betina nessa viagem... me pouparia uma chifrada de quando ela souber que fui para Tierra Viva.”, pensou o linguista, lembrando da cabra que ficou fula da vida que não poderia usar o convite de Miguel para ir para a festa de ano novo no estádio reinaugurado. Ai ai, aquela cabra o irritava, mas o magizoologista jamais abriria mão da amizade com o ser ruminante.

De estação em estação, com algumas boas horas ele estava em solo Argentino, comendo uma boa medialuna com molho mágico, cujo sabor variava a cada mordida e… aquele último era pimenta? ”Ah, que ótimo.” Suco de laranja gelado não foi o suficiente para tirar o ardor de sua língua, então tentou se iludir imaginando se o bafo de fogo o ajudaria a conversar com uma ave de tal elemento.

Caminhou até uma praça de Tierra Viva, de onde a moça gentil da vendinha lhe disse que ele poderia se localizar melhor, e lá chegando não tardou em tirar o celular do bolso. Já eram cinco e meia?! Tinha que se apressar para não correr o risco de perder o último trem da noite. Com a tela desbloqueada por sua senha desenhada, abriu o endereço enviado por seu amigo e foi seguindo as diretrizes. Para sua sorte, não foi difícil achar a casa, a parte mais complicada ainda estava por vir.

— Boa tarde! Dona Zenilda? — perguntou, cabreiro, para uma mulher mais velha que estava a podar uma grande árvore em seu quintal, de muro baixo — daqueles que você consegue passar por cima sem precisar pular. O olhar curioso e o tom defensivo perguntando quem ele era entregava que seu amigo não havia conseguido avisar sua mãe, como alertou que poderia acontecer. Mas que beleza. —Perdão, não me apresentei. Sou Miguel, magizoologista pesquisador e docente em Castelobruxo. — começou a falar, mas foi cortado logo por uma carranca irritada, como se ela já soubesse que ele estava ali para pedir favores. Não devia ser fácil ter uma fênix e muitas plantas em seu quintal, afinal.

— Espera! Sou amigo do Bernardo, ele quem me passou este endereço. Ele disse que provavelmente não conseguiria lhe avisar a tempo, mas que era para eu vir de qualquer forma, por questões de urgência. — o repentino tom agudo em sua voz devia mostrar que realmente não estava ali por estar, fazendo a mulher que começou a caminhar para dentro de casa dar meia volta. — Minha namorada sofreu um acidente, ela está grávida e quase abortou hoje cedo. Ela precisa de uma poção para acelerar sua cicatrização e revigorar as energias dela e do bebê, sem isso, corremos o risco de perder nossa criança. — a súplica brilhava em desespero nos olhos do Assis. — O hospital está em falta de lágrimas de fênix, que é o que precisamos, por isso  o B me disse para vir aqui. Desculpe incomodar, mas eu realmente precisava tentar. Eu tenho os documentos do hospital, caso queira olhar. — enlaçado por seu último fio de esperança, Miguel abaixou sua cabeça para a bolsa de couro pendurada em seu ombro esquerdo, e foi quando ouviu uma voz diferente.

— Você não deveria pedir à ela, e sim diretamente para mim. — uma voz calma, suave e serena. Não muito diferente do tom de voz da mãe de Bernardo, mas mais… animalesca? É... pelo eriçar dos pelos em sua nuca e o olhar desconfiado da senhora Abraão quando ele a olhou curioso, não era ela quem falava com o linguista, era a própria fênix. Mas onde ela estava? — Me desculpe, eu não sabia que você estava por perto. Você pode aparecer? — pediu, olhando para cima, curioso, não havia distinguido a direção da voz.

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Miguel já sabia que fênix é uma ave mais reservada, delicada em toda sua pompa, mas não imaginava que pedir para à ave aparecer seria motivo para que ele ficasse no vácuo e ela sequer o respondesse mais. O que devia fazer? Bem, as fênixes são extremamente fiéis àqueles que lhe tratam bem, então, só lhe restava um recurso: dona Zenilda.

— Ela me disse para conversar diretamente com ela, você me permite? Me ajuda? Ela não está respondendo mais. Eu aprendi a língua das fênixes quando meu pai me levou para visitar uma sob cuidados da COMASUL, sei que consigo entendê-la. Eu sou linguista, e ajudei a salvar a vida daquela ave, mas ela não está mais sob os cuidados da Confederação, por isso só me resta tentar receber a ajuda de vocês. É nossa única chance. — comentou com Zenilda enquanto esperava uma resposta também da ave. Claro que a senhora ficou surpresa por Guel conseguir falar com o pássaro, e ainda mais desconfiada, mas liberou a conversa, afinal, não era todo dia que alguém podia se comunicar verdadeiramente com a fênix, cujo nome, acabara de descobrir, era Zune. — Zune, eu não estou aqui para fazer mal a nenhuma de vocês, eu prometo. Só preciso que me ajudem, que você me ajude a salvar meu bebê. —  suplicou para a ave ao ver a mãe de seu amigo estender o braço e assobiar, provavelmente um sinal para atrair a fênix.

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É, realmente Miguel não imaginou que seria tão difícil conseguir a ajuda de uma fênix. Aves raras? Sim. Não muito sociáveis? Descobria cada vez mais que sim. Sairia dali com as lágrimas que precisava? Queria que a resposta fosse sim, também, mas já tinha suas dúvidas e desesperanças. — Ela não aparece na presença de outros? — perguntou para a senhora de meia idade, mas logo pigarreou, limpando a garganta em nervosismo, e arrumou sua frase.

— Quero dizer… você não quer aparecer por que eu estou aqui, Zune? Mais uma vez, me desculpe lhe incomodar, eu não estaria lhes importunando se não fosse para ajudar minha família com urgência. Ouvi dizer que você está nessa família há um século inteiro, você deve entender o valor de uma família, de gente que se importa com a gente, cuida da gente, e de como nós também protegemos e queremos sempre o bem dessas pessoas, não? — apelou para o lado emocional. Não que fosse mentira, mas precisava apelar para ver se ganhava à ajuda da ave.

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Um suspiro aliviado escapou dos lábios secos do Assis, não era a solução de seus problemas, mas ao menos agora conseguia ver de perto a fênix… renascida? Aquilo explicava muita coisa. Não havia acabado de renascer, já tinha um tamanho maior e aspecto melhor, mas também não era a fênix mais corpulenta e forte, provavelmente por isso estava escondida até então, devia estar simplesmente no conforto de seu ninho. ”E eu cheguei para atrapalhar, que ótimo.”

Pousada no braço de Zenilda, a ave — não maior que a cabeça de sua dona — o encarava, curiosa, a cabeça se inclinando de um lado para o outro, como se investigasse o magizoologista. — E por que eu lhe ajudaria? — a pergunta foi simples e clara, lembrando Miguel que, por mais que fosse uma fênix recém nascida, já possuía muito mais anos de vida e experiência do que muito bicho com o qual o linguista já havia conversado antes. — Por que você me ajudaria? — o Barni replicou a pergunta, encarando dona Abraão como quem implora por ajuda. — Eu não tenho como responder isso. Eu preciso de ajuda, quero ajudar a salvar a vida do meu filho… ou filha. Eu não tenho onde mais pedir ajuda, viajei o dia todo para encontrar vocês, mas se não puder, ou mesmo se não quiser ajudar, eu vou entender. — Guel respondeu sincero, não tinha como inventar mais razões para conseguir aquilo que precisava. Aparentemente, teria de conseguir as lágrimas em outro lugar.

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