Quando os boatos sobre uma nova série que documentaria a vida dos seres não humanos começaram a surgir Luna imediatamente contatou sua agência, a Toca da Fama, solicitando os meios para a participação. A agência a tranquilizou ao dizer que sua contratação para o documentário certamente viria sem que ela se esforçasse muito. "— Você conhece mais alguém como você nesse meio? Eles vão te chamar." — perguntou Chico na ligação. Ele tinha razão. A Flores já estava no showbiz há algum tempo e não teve o prazer de conhecer nenhuma outra mãe d'oro cuja fama excedia a sua própria. Havia visto uma dançaria ou outra na equipe de alguns artistas musicais e só. Além disso, sua espécie não é muito bem conhecida por sua hospitalidade no que diz respeito a presença de humanos, né?

O convite para a participação, no entanto, não surgiu da forma que ela esperava. Dois dias depois uma notificação de nova mensagem em seu celular a fez sorrir confusa. Por que seu ex-professor estava entrando em contato assim depois de tanto tempo? Miguel Assis, para sua surpresa, era um dos roteiristas do documentário e o conteúdo da mensagem vocês já podem imaginar. — É claro que eles colocaram magizoologistas na equipe de roteiristas. — resmungou com Melissa, sua assistente, largada no sofá de casa. — Sem militância, mas não era melhor alguém do Hangar das Nações pra lidar com seres? — questionou, sabendo que Mel concordaria. Jamais viu uma "criança" tão fervorosa quanto a Cardoso tratando-se de pautas sociais. Esse foi um dos principais motivos para sua contratação. "— Ter magizoologistas na jogada só leva a entender que a própria confederação ainda considera os não-humanos como animais, o que não deixa de ser uma verdade." — ela respondeu incrédula, o que arrancou uma risada de Luna. — Peraí, não é pra tanto. — Era. Mas Miguel, até onde Luna podia se lembrar, era diferente. Talvez tivesse sido convidado para a participação porque antigamente os seres eram mesmo classificados como animais, então ele deve ter amplo conhecimento sobre essas culturas. Melhor pensar por esse lado e deixar passar.

As gravações de seus últimos trabalhos haviam acabado no último ano e ela decidiu tirar férias de projetos muito longos e desgastantes por pelo menos seis meses, sendo assim, suas últimas aparições na mídia estavam sempre relacionadas a fofocas, entrevistas as quais era convidada para participar, ou divulgação da Era Dourada junto com a equipe. Por isso não houve resistência ou dificuldades para encontrar um horário em sua agenda para encontrar-se com o Assis.

Dois dias depois encontraram-se junto à equipe da Flores e os produtores da série documentário para decidir as condições da participação de Luna. Tratava-se de um projeto de cinco episódios longos, que contariam a história dos seres não-humanos brasileiros mais de perto. Uma iniciativa a confederação para tentar diminuir o preconceito que mesmo depois de tantos anos de integração ainda era uma questão muito grande. No fim, ficou decidido que o episódio que contaria com sua participação seria o último a ir ao ar. Analisando a cronologia que lhe fora fornecida, ela notou que os únicos artistas conhecidos ficaram com os dois últimos episódios e — de acordo com a explicação dos executivos — faria sentido para aumentar a audiência do projeto como um todo.

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A reunião durou mais tempo do que o programado, mas isso já era esperado pela equipe da mãe d'oro visto que antes de entrar em um projeto novo ela sempre procura todos os detalhes contratuais. Gosta de desde saber com quem trabalhará, o que é permitido e o que não é e, em alguns casos, especificar suas exigências. Neste trabalho em específico fez questão de deixar clara uma edição necessária em seu contrato. — Caso a artista sinta-se pressionada ou ferida moralmente por qualquer pessoa da equipe ela tem o direito à quebra do vínculo, sendo isenta de multa, e a emissora perderá os direitos sobre sua imagem no projeto. — disse Melissa séria como nunca, enquanto sentados à mesa redonda. Ela tinha razão. Luna apenas assentia enquanto a assistente — que cuidava das questões burocráticas de sua carreira junto a Francisco — impunha as condições para a participação da Flores. Ela tinha plena ciência de que a confederação ainda era um ambiente racista e, portanto, julgava que a maior parte das pessoas naquela equipe ainda tinha sérias questões raciais a serem tratadas. Melhor prevenir do que remediar.

Houve certo burburinho e até alguns comentários inflamados, mas nada que a equipe de Luna não estivesse preparada para lidar. A equipe, porque se fosse por ela só não teria exigência alguma e provavelmente não teria chegado onde chegou. No fim, fecharam contrato. As gravações começariam em cerca de vinte dias, então ela podia se preparar da melhor forma possível, afinal, seria um episódio inteiro sobre sua vida pessoal. O que ela gostaria de mostrar ao público? Talvez um pouco sobre sua relação com Alice? Nah, talvez não fosse a hora certa pra isso.

Uma vez concluídas as negociações, a equipe foi convidada a subir até o terceiro andar para comemorar e relaxar um pouco, quem sabe beber alguma coisa. Uma pena não terem adicionado nenhuma bebida mágica forte o suficiente para ter algum efeito na mãe d'oro, já que o álcool não agia da mesma forma em seu corpo. — Ah, foto? Acho que vamos ter tempo de sobra pra isso quando começarem as gravações, mas tudo bem. — Luna respondeu sorrindo, quando um dos produtores se aproximou dela meio bêbado. Achava engraçado ver como alguns humanos eram diferentes entre si. Uns mais resistentes, outros menos. Mas a graça acabou quando o homem decidiu que a educação da Flores era um convite para sua falta de noção.

— Ok, vamos parar por aqui. — disse ela com as sobrancelhas unidas em uma expressão de desconforto, mas ainda sem querer parecer rude. O fulano parecia estar tentando se aproveitar no momento das fotos, com uma mão que desceu de sua cintura para o glúteo, como se aquilo fosse algo normal, e tentou arrancar-lhe um beijo. — Não quero causar uma cena, então vaza. — disse Melissa ao notar o que estava acontecendo. Ele não deu ouvidos. — Filho de cuca, assediador, eu disse vaza! — disse berrou mais alto que a música, chamando atenção de todos os presentes. Francisco não entendeu o que estava acontecendo, mas notou o desconforto no rosto de Luna e se aproximou ligeiro. — Tira esse homem daqui. — vociferou a garota com ódio nos olhos. A Flores permaneceu imóvel, sem reagir ou entender o que de fato estava acontecendo. Foi então que Chico arrastou o executivo pelo colarinho até o primeiro andar, sem se preocupar com a reação dos seguranças da empresa.

Miguel e mais algumas pessoas se aproximaram em defesa de Luna, mas a maior parte deles não parecia entender o que havia acontecido. — Quero esse homem fora da equipe. — Melissa estava furiosa. — Não, não precisa. — Luna tentou intervir para não inflamar ainda mais a situação. Mel apenas suspirou e meneou a cabeça. As pessoas tentavam entender o que havia acontecido, mas as duas se retiraram do terceiro andar para pegar o carro que já as esperava na porta da empresa. Mais tarde naquele mesmo dia Luna recebeu um comunicado dizendo que o executivo em questão não mais participaria da equipe d'Os Outros.

OFF: Interação finalizada.

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Habilidade Racial — Mãe d'oro: