Paulla sempre havia sido sua protegida na escola, Álvaro se encantou por ela desde o primeiro olhar. Por isso, no início de Junho, mais precisamente no dia 01 de Junho de 2020, por volta das 16 horas, Álvaro convidou a amiga para encontrá-lo no Observatório de Astronomia. Ele tinha a sensação de que devia mostrar algo para a menina. RP fechada entre Álvaro F. N. Brandão e Paulla Fernanda Brandão.

Capítulo 6 | 1999

Álvaro tinha suas maneiras de fazer um bilhete chegar até alguém em Castelobruxo, assim o fazendo. Paulla era a pessoa perfeita para que ele fizesse aquela revelação, aos seus olhos, bombástica. Como toda boa pessoa, o baiano possuía sonhos, alguns reprimidos por anos. Stormy Essence era um daqueles sonhos que ele carregava consigo. Deixe-me ser claro, Stomy Essence tratava-se do nome de sua, até então, Drag Queen imaginária. Por muitos anos, Álvaro guardou roupas costuradas pela avó, bem como, as feitas por Eulália. Ambas eram costureiras de mão cheia. Ele até havia aprendido uns truques de costura, no entanto, nada que se equiparasse com a arte de suas cuidadoras. O baiano tinha trabalhado por horas naquela maquiagem, algo no qual ele era definitivamente bom. Se maquiada desde os seus quatorze anos, idade a qual teve o apoio de Dona Aninha para ser quem ele queria e desejava.

De todas as partes de se montar, a pior era realizar um tuck, porém, isso não será explicado aqui. Digamos que trata-se de esconder uma coisa específica. O baiano calçou as botas, tornou a olhar pro espelho do banheiro, faltava apenas a peruca. Álvaro a colocou cuidadosamente, deveria ser cauteloso para não estragar a maquiagem tão bem feita. Alguns alunos entravam e saiam do banheiro, boa parte deles sem entender o que estava acontecendo. Ainda haviam aqueles que davam risadas. Ótimo, assim pensou Álvaro, estava realizando seu trabalho com maestria e sucesso. Se conseguisse colocar sorrisos, mesmo que de deboche no rosto das pessoas, era um sinal de que estava indo bem. Quando posicionou a peruca e a prendeu na cabeça, o rapaz deu um sorriso para si mesmo no reflexo. Sua tarefa de se amar estava dando certo. Ele juntou os pertences na bolsa de ombros, deixando o banheiro em seguida.

Quando saiu pelo corredor principal, diversas caras o olhavam fixamente. Muitas das pessoas não reconheciam quem estava por baixo daquele disfarce. Conforme caminhava na direção do Observatório de Astronomia, Álvaro gerava curiosidade nas mais diversas pessoas que ocupavam o caminho até seu local de chegada. Havia uma música em sua mente, ela tocava de maneira alta e agitada. Era como se enquanto caminhava, a música fosse um pano de fundo perfeito para o momento. O baiano mandou beijos para algumas conhecidas que encontrava no trajeto. Os mesmo rapazes que costumavam fazer piada com ele, sim, ele havia encontrado alguns deles. Bateu com a mão na lateral dos quadris, um claro sinal de deboche para eles. Estava vivendo sua fantasia, ninguém o iria impedir de sentir-se bem consigo mesmo. Álvaro não demorou até chegar no andar no qual estava localizado o ponto de encontro com Paulla. Pela hora, não seria difícil estar vazio. Boa parte das pessoas iam ali no período noturno, sempre era mais fácil para observar as estrelas e planetas.

Álvaro ainda carregava o adereço que devia ser colocado em seus cabelos, não quis arriscar quebrá-lo pelo caminho. Tendo chegado na porta que dava acesso ao Observatório de Astronomia, o garoto prendeu o adereço em forma de círculo na cabeça. O look estava completo e esplêndido. Todo trabalhado em roxo e glitter, a roupa brilhava com os raios de sol restantes do dia. Adentrando o recinto, o menino soltou a bolsa num canto vago da sala. Pôde ver a menina de costas para ele. Álvaro foi até Paulla, percebeu a grande diferença entre suas respectivas alturas. Usou as mãos para cobrir os olhos da amiga:

- Adivinha quem é? - O perfume adocicado e forte, a essência que ele sempre usava, invadiu a sala inteira. - Mesmo que tu tente, não vai adivinhar.

Álvaro descobriu os olhos da mais baixinha, girou ela para encarar sua aparência. O olhar de Paulla foi de puro espanto. O baiano fez uma reverência, a fenda que havia no lado direito do vestido fazia com que sua perna ficasse exposta:

- Deixa eu te apresentar. Stormy Essence, a Rainha de Salvador, amore. - O rapaz juntou as mãos e enviou um beijo para Paulla no ar.

━ ℵ

Capítulo 6 | 1999

Álvaro ouviu os elogios da menina, aquilo deixou seu coração um pouco mais aquecido. O menino havia ido até ali para dar um show somente para Paulla, no entanto, algo não estava genuinamente bem naquele recinto. O baiano olhou o conteúdo da bolsa revelado pela menina, conseguiu entender parte do que se passava ali. Álvaro cruzou os braços, manteve uma pose bem polida e elegante. A perna ficava exposta pela fenda no vestido roxo. Começará a beber cedo, mas não tão cedo quanto Paulla. Deveriam existir mais fatores do que seus olhos podiam contemplar. Quer sumir, algo que ele gostaria em alguns momentos, principalmente após o falecimento de Dona Aninha. Ele ouviu tudo que ela tinha a dizer sobre si, isso até ela virar e guiar sua visão para além do mirante. O jovem contornou Paulla, retirou a bolsa de suas mãos e colocou no chão. Com suas mãos adornadas por unhas roxas, segurou as mãos da mais nova, os olhos encontrando os dela de perto:

- Eu sei que tem um monte de coisas acontecendo aqui, Paullinha. Primeiro, obrigado pelos elogios. Segundo, percebi que esse encontro tem coisas mais importantes pra falar, bichinha.

O menino continuou segurando firmemente as mãos da garota. Apesar de seu gênio e forte para os demais, Álvaro estava demonstrando um carinho e preocupação notáveis. A doçura estava acampada em seus olhos pintados e adornados por grandes cílios postiços. Ouviu mais algumas das coisas que Paulla tinha para falar, sobretudo, acerca de como ela gostaria de ser como ele.

- Ôh bichinha, Álvaro não é essas coisas todas, não. Álvaro já sentiu que queria muito desaparecer, visse? Eu vim aqui pronta para dar um show para você, mas a vida pede socorro de maneiras silenciosas. Tu tá pedindo socorro, eu vejo. Vem cá!

Álvaro pegou na mão de Paulla, a guiou até um pequeno degrau que havia perto de uma peça que demonstrava o sistema solar. Sentou com cuidado, a roupa poderia rasgar com algo muito brusco. O baiano estendeu as pernas para a frente, aguardou até que Paulla sentasse do seu lado. O garoto passou o braço por cima do ombros da menina:

- Já senti a vida toda desarranjada, é assim que a gente chama na Bahia. Sim, eu sei o que é isso. Deixa eu te dizer uma coisa, Paullinha. Eu tinha tantos medos, mas o maior deles era o medo da solidão. Mainha e Painho morreram primeiro, depois minha vozinha também foi. No fim de tudo, só ficou eu. Daí, depois dessa bagunça emocional, eu passei a não temer mais nada. E sabe do que mais, tem dias que eu também Tô pedindo socorro em silêncio. Eu também tenho um escape, igual tu toma a cachaça, eu fumo escondido. E isso não faz bem, eu sei, mas lá dentro a gente se sente aliviado. Sabe por que tô dizendo isso pra tu? Porque eu tô aqui pra te ouvir, pra tu chorar, pra tu gritar. O que se passa? Me diga a verdade.

Álvaro buscou os olhos triste da menina Paulla, ergueu seu rosto delicadamente para que ela o encarasse diretamente.

━ ℵ

Capítulo 6 | 1999

Álvaro sentiu a menina deita a cabeça em seu colo, não pode evitar de fazer carinho nos longos cabelos dela. O menino escutou tudo pacientemente, ela parecia guardar mais do que demonstrava, nada diferente dele. O rapaz exibia sua face de alegre e descontraído, no entanto, ainda sofria todos os lutos da sua vida, por dentro. Ao perceber filetes de sangue escorrendo da mão da menina, o baiano abrir a bolsa que carregava consigo, rasgou um pedaço da camisa branca que estava usando anterior ao look fashion de sua drag queen. Com cuidado, Álvaro enrolou a mão dela, fez bastante pressão para que o sangue estancasse do ferimento.

- Olha, eu sempre achei que tu sentia mais do que demonstrava, e eu estava certo, bichinha. Eu não posso, nunca, dizer que sei o que tu passas, até porque eu tive uma realidade diferente. Não sei quem foi meu pai de verdade, só conheci minha mãe biológica por carta. Sou adotado, no entanto, painho e Mainha sempre fizeram de tudo por mim. Também mataram ele, o mesmo que fizeram com tua mãe. Ainda hoje, depois desses anos todos, eu ainda sinto falta, sinto falta do painho Carlos e da Mainha Thalyah. Eles cumpriram a missão de me amar. Como te falei anteriormente, minha vó também foi embora. Com ela, naquela essência doce que tinha, tive uma conexão maior que com todos. - Álvaro parou por um momento, deitou a cabeça de Paulinha em seu ombro. - A vida é difícil, mas é difícil de uma forma diferente para cada pessoa, visse?

O baiano continuou fazendo carinho na cabeça da menina, usava de uma delicadeza nunca vista por ninguém naquela escola. Ele estava sempre tão arredio e explosivo que, mesmo tendo bons momentos em CB, era sempre a raiva e a impaciência que estavam presentes.

- Eu queria poder fazer mais por tu, te ajudar, sabe? Mas eu tô tão perdido quanto você. O que eu posso te dizer é que tu tem em mim uma pessoa para desabafar e confiar. Mesmo que eu esteja lá na Bahia, tu pode me enviar araras e dizer como se sente. Te respondo rápido, eu prometo. Vamos fazer um pacto. A gente pode ser irmão, o que tu acha? Irmãos de uma família diferente.

Álvaro estendeu o dedo mindinho para que a garota segurasse também com seu dedo mindinho, esperava estar sendo capaz de, ao menos, levar uma palavra amiga para alguém que tanto precisava.

━ ℵ