Dizem que as coisas na vida acontecem por acaso, mas Miguel nunca acreditou muito nisso. Pode até ser que algumas coisas aconteçam por acaso para dar uma animada na vida, mas estar naquele lugar, naquele sábado, naquele horário, só provava o quanto sua ideia acreditar em destino realmente parecia mais correta. Havia voltado para a escola um dia antes da “volta às aulas”, e junto de Bianca, sua namorada – sim, agora podia encher a boca para afirmar isso –, caminhava pelos terrenos do castelo, mal haviam chegado mas seus olhos e ouvidos já se mantinham atentos à tudo. Ousaria dizer que conseguia captar alguma agitação das criaturas da escola, mas não teve certeza, só tinha certeza de que algo não parecia bem – muito menos a julgar pela face preocupada da Torres.

Felizmente – aliás, bem infelizmente, bastaram poucos segundos mais de caminhada para que Guel enfim entendesse os burburinhos que ouvia de longe. Não eram burburinhos apenas, uma criatura realmente tentava se comunicar. Ou seria melhor dizer: uma nada bela criatura queria chantagear em troca da segurança de seus filhotes, e chantageava muito bem, até parece que o Assis deixaria o bicho devorar “seus filhotes”, como dissera ele. – Não.. nos alunos você não vai tocar, isso nem precisa ser opção. – disse pausadamente, as mão estendidas e vazias em sinal de redenção após ter feito Bianca também cessar seus movimentos, mas a voz saia firme e o olhar sério sequer piscava ao encarar aquele ser. Mantinha-se agora entre a Torres e a Lebre-Gralha, uma criatura que claramente o queria matar naquele momento, e a outra que simplesmente queria seus filhotes de volta a qualquer custo.

– Sem mais nenhum berro destruidor, me explique onde estão seus filhotes e eu tentarei lhe ajudar. Nós tentaremos. Quer dizer, nós ajudaremos, desde que você não haja contra nós. – voltou a falar e trocou um breve olhar com Bianca, no qual poderia ser capaz de ler “se a gente não morrer nessa eu te mato depois, Guel” no ar, claramente dita com a voz irritada e cautelosa da loira. ”Ah se a linguística me deixasse ler pensamentos...”

Para sua sorte, no desespero, o animal mágico logo desembuchou a história do que estava acontecendo, e a situação que o Barni esperava que não pudesse piorar só foi descendo ladeira abaixo. Ou deveria dizer riacho abaixo? Aparentemente os filhotes estavam sob as garras de um Jaquin às beiras do Riacho dos Botos. Um Jaquin. Com filhotes da Lebre-Gralha. Lebre esta que devoraria os alunos se deixassem que seus filhotes virassem lanche da tarde. Que ótima maneira de se começar mais um período letivo, não?

Matar ou espantar a lebre não parecia uma opção, não para o magizoologista com alma de herói das criaturas pelo menos. Já Bianca... certamente caparia o namorado se o brinquedo não fosse tão interessante para ela. – Nós vamos até lá, então. Você fique afastada, o Jaquin pode estranhar ainda mais nossa presença ao notar sua companhia. Conversar não custa nada, então vamos lá. – comentou com um balançar de ombros, mas sua mente repetia várias e várias vezes na voz da namorada: “nesse caso pode custar sua vida, idiota”. Trocou mais um olhar com a Torres, e foi só então, a julgar pela expressão em sua face, que ela não estava entendendo nada, de certo Guel havia trocado a língua para falar mais especificamente com o bicho sem sequer perceber. – Hmm, uma novidade legal: já temos nossa primeira aventura do segundo semestre, e mal acabamos de chegar. Curiosidade sobre essa aventura: precisamos salvar os bebês lebre-gralha de um jaquin antes que os alunos cheguem amanhã e a Lebre-Mãe coma-os em vingança. No caso, precisamos salvá-los agora, ou estamos bem lascados. – falava com suavidade, mas com o olhar pedia socorro. É, talvez não precisasse de jaquin, gralha ou Bianca para o matar, era capaz de enfartar sozinho nessas situações.

Caminhou na frente, observando o chão para achar por onde a criatura sequestradora havia pousado e para onde havia levado os nenê-lebres. Nem precisou caçar muito, ou pouco, ou qualquer procura a mais, simplesmente ouviu. Ouviu o lamento desesperado dos filhotinhos e a maldade do Jaquin. Infelizmente, já parecia ser tarde, a criatura estava prestes a atacar as menores para valer, de forma que Miguel não pôde hesitar em sacar a varinha e proferir um Petrificus Totalus.

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Após lançar o feitiço, Miguel estancou-se em seu lugar por alguns segundos, até dar-se conta de que a criatura estava mesmo paralisada, um brilho de triunfo acendendo-se em seus olhos claros. Brilho esse que foi apagado pelo flash do feitiço utilizado por Bianca, que atacava o Jaquin já indefeso. ”Que..?”, o som não foi mais que um sussurro que apenas ele pudesse ouvir, a incredulidade ficou presa na garganta do linguista quando este se virou para encarar a namorada. Em certos momentos, sentia que Bianca poderia manda-lo para o buraco misterioso guardado pelas caiporas caso falasse o que não devia, mesmo que talvez devesse falar algo – ao menos em sua concepção.

Voltou a encarar a criatura, paralisada e agora um pouco mais para trás – arremessada pelo estupefaça de Bianca – e concentrou sua atenção nos bebês lebres – que de bebê só tinham o nome mesmo. – Wingardium Leviosa! – mirou nas criaturas para ajudar a namorada a tirá-los da mira do Jaquin que começava a se mexer novamente, mais lentamente e agora um tanto grogue do golpe da Torres. Forçou-se para se concentrar no que fazia, pois os filhotes não paravam de choramingar e gritar pela mãe – e Miguel os entendia, mas sua cabeça doía, o fazendo franzir o cenho em uma carraca enquanto afastava os dois "pequenos" do animal alado.

– Confundus! – mirou novamente no animal maior que estava prestes a recobrar toda a consciência e movimentos de seu corpo, na esperança de manter o bicho distraído para que conseguissem sair dali.

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Pela glória de Anhangá – ou seria para seu desgoto? – Miguel havia acertado em cheio mais uma vez, fazendo o felino alado cambalear novamente assim que havia se colocado de pé novamente. Agora, sua mente estaria confusa, e ele realmente parecia meio perdido, mas uma coisa Miguel tinha certeza: o bicho sabia que deveria atacar. E como Miguel sabia disso? Simples, o linguista ouviu com todas as letras que o bicho devoraria ele mesmo e a fêmea de sua espécie – leia-se Bianca – caso eles não o deixassem se alimentar em paz.

– Nem pensar! Nela você não encosta, não sem antes passar por cima de mim. – proferiu para a fera, colocando-se na frente de Bianca para escondê-la do Jaquin enquanto ela terminava de liberar os filhotes para irem ao encontro de sua mãe desesperada, embora soubesse que a criatura poderia literalmente passar por cima dele facilmente se investisse com voracidade. Claro que a mulher atrás de si sequer entendeu nenhuma de suas palavras, estava falando em língua de Jaquin (mesmo sem fazer a menor ideia de como aquilo soava já que sequer percebia a mudança em sua mente), e talvez aquilo fosse bom, não o acharia um idiota completo.

Vendo que o animal mágico estava prestes a bater asas e atacar alguém ou alguma criatura ali, Miguel tentou mantê-lo no chão, dando tempo para que ao menos a família Gralha voltasse par sua toca – ou algum abrigo novo onde o Jaquin não aparecesse novamente. – Junleum! – bradou com a varinha apontada para as pernas do animal.

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Era incrível como a sorte de Miguel costumava mudar de um milésimo de segundo para o outro. Aliás, incrível jamais seria a palavra correta para a falta de sorte do Assis. Tudo havia dado certo até então, e ele não sabia dizer se foram os bebês lebre gritando desesperadamente e atordoando sua mente, ou se ou se era o nervosismo de talvez estar sendo julgado por Bianca ao mesmo tempo em que tentava salvá-la do Jaquin maluco, ou se, por algum acaso, havia falado o feitiço em outra língua (língua de Jaquin ou de lebre, como proferia suas palavras em momentos atrás). Independente da resposta, o que importava naquele momento era que sua investida contra o Jaquin havia falhado, e assim sendo, nem se realmente quisesse entender o motivo ele não conseguiria com aquele bendito animal indo para cima de si após perceber a investida do linguista contra ele.

– Ferreous! – bradou o docente magizoologista, com o pesar na consciência de que poderia machucar o animal de alguma forma caso conseguisse a força necessária, mas, definitivamente, precisava se defender em primeiro lugar.

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Para sorte de Miguel, ele havia acertado o animal alado em cheio mais uma vez, e embora sentisse certo pesar em ter que causar danos na criatura, era de grande alívio não se tornar o lanchinho a sujar aqueles dentes que lhe deram arrepios só de pensar. Ou será que Guel seria o palitinho com o qual o Jaquin limparia seus dentes? Não, ele não ia matar ninguém, não iria! Se bem que... Bianca mataria o Assis de qualquer forma depois daquilo.

Trocou um olhar com o Jaquin que agora só parecia ainda mais consciente e irritado que antes, e se estivesse realmente com a fome que dizia ao pedir pelos filhotes de volta, Miguel estava beeeem lascado. – Você não pode, sabe.. sair por aquele lado ali e procurar outra comida? De preferência de outro tipo? Por Anhangá! Não achei que as criaturas protetoras do castelo estivessem devorando umas às outras e ameaçando pessoas que aqui pertencem. Acho que precisaremos reavaliar a estadia de alguns de vocês em nossas florestas. – começou falando como quem não queria nada, e terminou irritando a criatura ainda mais. Oh, man! Bem que em momentos de nervosismo extremo um linguista deveria saber usar bem as palavras ou mantes a boca fechada, não? – Fosforepelio! – bradou antes que o ser começasse mais alguma investida contra si, ficando aliviado – e ao mesmo tempo um tanto preocupado – de não ouvir mais Bianca e as Lebre-Gralhas por ali.

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Ao ver sua barreira causar certo dano no animal mágico – não exatamente ver, pois era quase transparente, mas conseguiu perceber o efeito – permitiu-se esticar o canto direito dos lábios em um sorrisinho discreto. – Você não é capaz de me impedir. – havia dito o Jaquin quando Miguel chegara ali. Talvez não conseguisse se defender até o fim e mostrar-se mais forte que o animal mágico, é verdade, mas ao menos não estava perdendo aquela. Aliás, orgulhava-se bastante por ainda estar sem nenhum dano aparente – apesar do cansaço começar a querer se mostrar ativo em si.

Respirou fundo ao encarar o enorme felino, pensando no que mais ele poderia fazer para livrar-se do ser de uma vez, mas a sorte não estava toda a seu favor e Miguel viu mais uma vez o Jack (já podiam ser considerados íntimos para tanto) avançar sobre si, determinado a tirar o magizoologista de sua frente para recuperar suas presas ou fazer uma nova presa em vingança. – Aequora Teggo! – o docente tentou conjurar uma barreira de água forte o suficiente para deter a investida do animal, na esperança de que conseguisse dar mais tempo para a Torres e os outros animais sumirem dali.

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Ao ver que suas defesas estavam todas funcionando, Miguel passou a ponderar se o animal realmente o queria machucar ou se estava apenas tentando assustá-lo para que saísse dali sem que o Jaquin relamente tivesse que fazer algo no auge de sua fúria. Ou será que de alguma forma era controlado por algum feitiço de proteção que não o deixaria fazer verdadeiro mal a alguém de Castelobruxo? Não, Miguel tinha certeza de aquilo não era possível e, bem, dessa vez fosse um grande acaso fazendo-o se sair melhor que um animal mágico de alta periculosidade em um combate cara a cara, mas de qualquer forma, mantinha sua ideia de destino e “tudo tem seu tempo” para se segurar e não causar danos reais ao animal.

– Seria tão mais simples se você decidisse apenas conversar e aceitar o que estou lhe pedindo.. deixe eles em paz e procure outra coisa. Já pensou em virar vegano? Vegetariano seria um bom começo também.. – comentou, mas vendo que o papo não iria colar, segui com seu próximo feitiço, procurando maneiras de não machucar de fato. – Aguamenti! – aproveitou da água do riacho dos botos para tentar controlar certo fluxo que poderia ajudar a afastar o Jaquin mal humorado.

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E a magnífica sorte de Miguel de repente começava a mudra de novo. Ok, palavras de boa conotação não deveriam ser usadas com tamanha ironia em situações como essa, mas definitivamente soam tão bem!

Miguel não conseguia acreditar. Em um momento pensava em como não podia maltratar os animais mágicos, em como poderia fazer para não causar danos no felino embuste que queria jantar dois filhotinhos nada pequenos de outra criatura protetora do castelo – ou que teoricamente deveria proteger, apesar de saber muito bem como chantagear e manipular um magizoologista linguista. ”Mas que merda”, foi tudo que pensou quando viu o Jaquin mais uma vez partir em sua direção com velocidade considerável e a pata pronta para tacar o cabeludinho longe. – Ferreous! – proferiu mais uma vez em sua defesa. – Petrificus Totalus! – foi o que próximo feitiço que repetiu assim que a oportunidade apareceu. Miguel estava completamente ferrado, era um fato.

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E dessa vez não havia conseguido fugir do ataque, e aquele havia sido para valer. Sentiu a pata grossa do bicho bater com força em suas costelas, jogando-o para longe. Miguel urrou de dor e puxou o máximo de ar que conseguiu ao cair no chão, mas sentiu dor na ação e acabou soltando outro gemido durante a ação.

Percebeu o Jaquin farejar o ar e querer seguir atrás dos outros, fosse Bianca ou fossem as Lebre-Gralha, e teve que atacar para defender “os seus”. Ao vê-lo paralisado, mais uma vez, conseguiu respirar direito por alguns segundos, mas sabia que logo o selvagem voltasse a se mover, tão logo iria dar um jeito de lhe atacar novamente – talvez de uma vez por todas agora, ou então partiria em busca da Torres, das Gralhas irritantes ou qualquer outro ser vivo que aparecesse em sua frente, e Miguel não estava nem um pouco preparado para ver ninguém ferido – muito menos por sua culpa. – Ferreous!

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