Sol e praia era, por natureza, as duas coisas preferidas da sirena que sempre visita praias em suas dias ou horas livres. Esse era mais um. Por volta das dezessete horas a ruiva caminhava descalça a beira mar, os pés sendo lavados pelas ondas fracas que quebravam na praia, e livre de toda a usual rouparia de seus dias de trabalho. O sol era fraco, quase se punha, mas ainda havia algumas famílias na praia e — como é usual — a sirena só iria embora quando a noite caísse e a praia esvaziasse por completo. Fazia algum tempo desde a última vez que teve tempo livre para entrar em contato com a água do mar, mesmo morando próxima a praia. A sirena era um membro da suprema corte bruxa e dado os acontecimentos recentes tinha trabalho de sobra a fazer, sendo raras suas horas livres.

Estava perdida em pensamentos, com as ideias para seu livro borbulhando em sua mente e nem percebeu quando entrou na água. O mar era sua casa e, portanto, era ligada a ele. Com água até a cintura a sirena lutava contra a vontade de assumir sua cauda e sair em exploração pois alguém podia a ver, mas aparentemente o destino tinha outros planos para ela. De volta a si, Lira sentiu uma estranha vibração na água e virou-se na direção indicada a fim de encontrar o que estava cansando aquilo.

Uma família aparentemente comum nadava desatenta enquanto era sondada por dois tubarões famintos. Caso os animais atacassem, não poderiam fazer nada. — Ei! Saiam daí! — Gritou a ruiva aproximando-se dos três, mas o barulho das ondas e a conversa dos três os impediu de ouvir o chamado da sirena que não chegaria a tempo a família se continuasse lutando contra a água com as desengonçadas pernas humanas. Sem pensar duas vezes, Lira mergulhou e desfez a transfiguração humana, dando espaço a uma longa cauda coberta por escamas de cor semelhante a seus cabelos e disparou, submersa, na direção dos três. Os tubarões estavam prestes a atacar a família quando a sirena liberou uma onda supersônica através das guelras em seu pescoço com o intuito de afastar os animais. A família não ouviria nada pois estavam com suas cabeças emersas.

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O grito supersônico lançado por Lira pareceu atordoar os predadores que começaram a nadar sem sincronia e acabaram se chocando um com o outro, mas isso ainda não era motivo para comemorar. A família ainda não havia notado o perigo que corriam e os tubarões ainda estavam próximos, apenas confusos. A ruiva, então, concentrou sua energia mágica na água do oceano que circundava os três humanos desavisados, mantendo o foco visual, e moveu as próprias mãos em um giro rápido. Sendo uma sirena, Lira tinha ligação inata com o elemental rios e mares, podendo dobrar a água de qualquer lugar à sua vontade e usou essa habilidade para chamar atenção do pai da família. A água que circulava o corpo do homem foi tomada por uma leve correnteza que fez com que seu corpo girasse em cento e oitenta graus, parando com os dois tubarões em seu campo de visão.

— Saiam da água. Saiam da água! — Gritou a ruiva com o torso para fora d'água. Dessa vez eles pareceram ouvir e seguiram seu conselho em desespero. O homem tentou nadar para longe com o resto de sua família no momento em que as feras famintas pareceram recobrar seus sentidos. Lira, percebendo a movimentação rápida das nadadeiras dos animais, mergulhou mais uma vez e impulsionou seu corpo para frente em sua máxima velocidade, parando com seu corpo submerso entre a família e os dois tubarões. A presença do ser marinho em frente aos animais não causou qualquer comoção, então a ruiva esticou ambos os braços para a frente de seu corpo — mais uma vez concentrando sua energia mágica na água — para defender-se. Os dois animais que nadavam em direção a ela pareceram bater em uma "parede" de água e recuaram. Não satisfeita, a sirena continuou submersa guiando com sua dobra elementar ambos os tubarões de volta para o fundo do oceano onde poderiam encontrar o alimento apropriado.

Finalmente a família deu ouvidos a sirena e começou a se afastar enquanto ela nadava ao redor dos tubarões para manter a certeza de que permaneceriam desnorteados por tempo o suficiente para que a família conseguisse sair dali a salvo. Por um moment, acreditou que fossem recobrar a plena consciência, mas foi apenas uma impressão errada. Com o torso para fora da água, Lira viu uma estranha movimentação ao redor ao redor de um corpo deitado na areia, o que diabos estava acontecendo agora? Respirou fundo e moveu sua cauda até a parte mais rasa, onde a ponta atingia a areia no fundo para transfigura-la em pernas novamente.

— O que aconteceu? — Perguntou à esposa em desespero ajoelhada ao lado do corpo do homem agonizando com dificuldade de respirar. Porto Belo era um povoado bruxo, é sério que ninguém tentaria salvar aquele homem? Aparentemente eles queriam a sua morte, todos juntos ao redor do corpo caído para dificultar ainda mais a passagem de ar e aumentar o desespero do coitado. — Afastem-se!! Afastem-se! Deixem ele respirar! — Ela gritou ao sacar sua varinha presa ao seu braço. Se ninguém ia tentar nada, ela tentaria. Quando, finalmente, a multidão se afastou, a sirena apontou sua varinha para o peito do homem e laçou seu primeiro feitiço. — Respirate. — Conjurou. Era o primeiro da ordem de feitiços que havia surgido em sua mente ao ver a situação em que ele se encontrava. Ela não era humana, mas tinha alguma habilidade com feitiços bruxos, tanto tempo vivendo entre eles. — Consciu. — Lançou outro em seguida. Dessa vez apontando para a testa do paciente que desmaiaria a qualquer momento.

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