Era certo que Mavis se sentira muito mais aliviada assim que pôs os pés novamente em CasteloBruxo. Mesmo que isso implicasse no fim definitivo das férias que haviam sido as melhores desde que se entendia por gente — tirando a parte em que tivera que lidar com um tio extremamente rabugento. Mas não se deixaria abalar por aquilo, estava animada com o fato de que neste semestre iria finalmente tomar a posição de batedora do Jaguar. Uma vez que Matteo estava empenhado em fazer o time se entender e ser o melhor dentre os outros, Mavis sabia que teria que se esforçar muito mais do que fazia com qualquer coisa da vida dela. E com razão. O baile beneficente havia dado uma chance ao esporte escolar e ela não queria ser uma vergonha diante de toda a ajuda que estavam recebendo. Por esse mesmo motivo é que confirmou presença no primeiro encontro do time. Não que ela tivesse alguma escolha, é claro. No que dependesse dela, estaria ao lado do irmão até o último treino. E não só dele, mas dos outros jogadores também, com quem esperava criar um laço definitivo de amizade e parceria. Julgou que seria até bom para a vida dela, se aproximar de pessoas que estavam fora do círculo Bedoya-Fialho.

Assim que chegou próxima o bastante do campo de quadribol, já foi logo tentando localizar as pessoas de seu time. Ou ao menos seu irmão, que era o rosto mais conhecido. No entanto, não havia ninguém lá. Prendeu o lábio inferior entre os dentes com uma mordida e franziu o cenho. Não era possível que ela tinha sido a primeira a chegar. Como não gostava de esperar, sempre aparecia nos lugares em cima da hora ou atrasada. Uma pouca vergonha para a Bedoya, mas quem liga? Bastou uma segunda olhada para que percebesse um corpo estirado no chão. Arregalou os olhos por um momento, se recobrando de cenas do semestre anterior. — Não, não é isso. — Resmungou baixinho, balançando a cabeça negativamente e se recusando a pensar naquilo novamente. Quase suspirou de alívio quando chegou mais perto e se deu conta de que era o gêmeo. — Ora, decidiu tirar um cochilo na grama? — Brincou, encarando as feições de Matteo e não pôde deixar de notar o sorriso que ele carregava nos lábios. — E essa cara de pateta? Tava pensando em quê? — Ponderou por alguns segundos. — Ou quem? — Um sorriso malicioso brotou na boca da Bedoya. Por vezes não conseguia refrear a vontade de implicar um pouquinho com o irmão. — Cadê os outros? — Se sentou ao lado do irmão e cruzou as pernas na posição de lótus. Pelo visto teria que esperar, de qualquer forma.

Soltou umas boas gargalhadas quando percebeu que o gêmeo havia se assustado com a presença repentina dela. — É pra você ficar mais alerta. — Tinha certeza de que o irmão estava mentindo ao dizer que pensava somente na surra que dariam nos outros times, mas resolveu ficar calada. Não era como se ela não estivesse escondendo segredos dele também. Ainda não havia achado um momento certo para explicar o que vinha acontecendo entre ela e Malvina. Sorriu levemente ao se lembrar da garota. Tinha implicado com o irmão, mas estava ficando exatamente igual a ele. Uma pateta. Por sorte não precisaram esperar muito mais pelos outros. Thiago foi o primeiro a aparecer. — E aí, cara! — Acenou para o garoto, sorrindo animada logo após Matteo apresentá-la. Por um momento achou que eles fossem ser obrigados a treinarem embaixo de chuva quando uma nuvem negra despontou no céu que antes estava completamente límpido. Mas tiveram a sorte de que a nuvem passasse reto por eles. E logo Gabriel, Alice e Giovana apareceram também. Sabia que os dois primeiros nutriam um certo desgosto pelo gêmeo, mas ela mesmo não tinha nenhuma rixa com os dois, então os cumprimentou com o mesmo sorriso animado e simpático de sempre. E permaneceu sentada, esperando pelas próximas instruções do gêmeo que se levantou assim que os outros se acomodaram na grama.

Focou nos pontos mais importantes enquanto deslizava as mãos pelo mato no espaço a frente dela. Mantinha os olhos fixos no irmão e sorria de modo encorajador, não que ele precisasse. Matteo era bom em fazer discursos, incitar as pessoas a fazer o que ele queria. Talvez por esse motivo é que tivesse ganhado a liderança do time mesmo que outros dois integrantes não gostassem dele. Se levantou assim que ouviu as palmas e suspirou ao ouvir sobre os exercícios para aquecer. A pior parte dos treinamentos com certeza era aquela. Sabia que ficaria com os músculos doloridos no dia seguinte, mas não ousou reclamar. — É, tô precisando fortalecer o muque mesmo. — Brincou, dobrando o braço na altura do rosto para exibir músculos que sequer existiam. Feita a piada, se pôs a correr com os outros em volta do campo, seguindo o ritmo do irmão. Tentava não levar um ritmo tão rápido ou acabaria morta antes mesmo que completasse a série que o irmão havia preparado. Não era considerada uma pessoa totalmente sedentária, mas tinha lá também seus limites. O campo de Quadribol era grande o suficiente para que Mavis ficasse no mínimo ofegante ao completar a volta. — Gente… Sabia que ia dar tanto trabalho assim não. — Falou, apoiando as mãos nos joelhos. — Mas bora lá, flexões! — Não se deixaria abalar, estava realmente animada.

Cansada e pingando de suor havia sido a forma com a qual Mavis havia terminado a sequência de exercícios propostos por Matteo. Cada partícula de músculo existente nela latejava, parecendo reclamar da carga de esforço que ela havia colocado sobre eles. Foi ali que a morena percebeu que teria que se esforçar ainda mais para ficar, de fato, em forma. Quanto tempo fazia desde que tinha se movimentado daquele jeito? Sequer se lembrava. Conseguia sentir o coração batendo acelerado no peito e os pulmões lutando para fazer seu trabalho quando voltou a se acomodar no meio da grama, esperando que o irmão desse as próximas coordenadas. Estava ansiosa mesmo era para subir na vassoura e sair pelo ar praticando manobras. Agoniada com os fios de cabelo grudando na pele suada, prendeu-os em um rabo de cavalo alto com uma xuxinha que estava presa no pulso esquerdo. Enquanto fazia isso, ouvia as instruções de Matteo sobre os exercícios que fariam no ar. Na teoria, parecia ser fácil, mas sabia que não seria tão moleza assim. Ainda mais quando estavam fadados a lidar com balaços, as bolas com a qual ela bateria de frente. As mais infernais, aos olhos dela.

— É pra já, capitão. — Bateu continência, sorrindo para o irmão ao se levantar da grama e ir até as vassouras que estavam dispostas perto de um malão. O sorriso de Mavis ficou ainda maior ao ver os objetos brilhando de tão novos. O coração dela se enchia de amor ao saber que os times de Castelobruxo finalmente estavam obtendo algum reconhecimento. Agarrou o cabo de uma das vassouras e posicionando-a da forma correta, passou a perna sobre ela. Bastou um leve impulso com os pés para que finalmente estivesse pairando no ar. A Bedoya inclinou o corpo para se movimentar pelo campo. Havia sido a última a subir na vassoura, então se apressou em se juntar aos outros. Era uma corrida, afinal e querendo ou não, estavam competindo entre si. E com os balaços, é claro. Segurando o cabo da vassoura de modo firme, fixou os olhos no irmão que estava lá embaixo. Bem no momento em que ele soltou os balaços. Inclinando o corpo novamente, disparou pelo campo a fim de abrir alguma distância entre ela e aquelas bolinhas demoníacas. Rápida do jeito que estava, era capaz de sentir o vento batendo violentamente no rosto e zunindo em seus ouvidos. — Que eu não quebre nada hoje, por favor. — Resmungou baixinho, mantendo os olhos atentos a qualquer aproximação suspeita.

Não demorou muito para que virasse um alvo, é claro. Sentiu o estômago afundar ao avistar o balaço vindo em sua direção com força total. Parecia pronto para arrancar qualquer membro exposto da garota. Mas é claro que ela não deixaria isso acontecer. Aumentou um pouco a velocidade, olhando por cima dos ombros para o balaço que a seguia e assim que ele se aproximou o bastante, ergueu o cabo da vassoura para cima, subindo no ar. Como uma onda, voltou a mergulhar em direção ao solo, numa tentativa de confundir o balaço — a ideia dela é que ele continuasse subindo até sabe-se lá onde enquanto o caminho dela ficaria livre.

— Cuidado com a BURRA! — Dando um giro no ar com a vassoura, Mavis riu baixinho ao ver que a manobra que tinha feito fora o suficiente para afastar o balaço. Não havia sofrido sequer um arranhão, de forma que pairou no ar exatamente onde queria e o balaço havia ido para o céu. Temendo que ele voltasse para, bem, se vingar, a morena inclinou o corpo com a vassoura e voltou a corrida. Até aquele momento não tinha prestado atenção nos outros participantes daquela etapa, mas bastou uma olhadela para saber que estava ficando para trás. E não por ter tido um mal desempenho, mas porque estava mais atenta em comemorar ter fugido do balaço com êxito do que em completar o percurso. Com isso em mente, segurou ainda mais firme no cabo da vassoura e aumentou a velocidade com a qual voava. Cortou o ar até que a primeira volta estivesse completa e a segunda desse início.

— Jaguar não tem um minuto de paz mesmo. — A Bedoya revirou os olhos ao avistar o balaço se aproximando mais uma vez. Estava quase fechando mais uma volta quando o bonitinho resolveu escolhê-la como alvo novamente. — Ai se eu tivesse meu bastão... — Suspirou, apertando o cabo da vassoura e tentando visualizar uma forma de se livrar daquele troço. Agora tudo o que ela queria era ganhar aquela corrida, fator que estava um pouco difícil já que Thiago se encontrava a todo vapor um pouco a frente dela. Depois de ter conseguido se livrar de um segundo balaço. Não que ela estivesse puta ou algo do tipo, na verdade ficava orgulhosa com a vitória e o bom desempenho dos colegas. Mesmo que naquele momento, estivessem em uma competição.

Captou o respectivo assobio do balaço cortando o ar e bastou mais uma olhadela por sobre o ombro para ver o quão perto ele estava. A mente da morena se nublou com a palavra “fodeu”. — Ah, que se dane! Você não vai me pegar, não mesmo. — Diminuiu a velocidade do voo e esperou até que o balaço se aproximasse mais um pouco. E quando ele alcançou uma distância perigosa o bastante, a morena inclinou o corpo e forçou a vassoura para baixo em um mergulho. Não parando por ai, girou a vassoura para a direção contrária e voltou a subir no ar. Mas sem se afastar muito de onde estava anteriormente, não queria perder a corrida, somente confundir o balaço para que ele tomasse uma direção diferente da dela.

Já dizia chorão: dias de luta, dias de glória. E especificamente o dia de luta de Mavis, havia chegado. Se anteriormente havia acertado a manobra. Agora tinha tudo dado errado. A Bedoya calculou mal a forma de se desviar o balaço, o que fez com que a bolinha se voltasse contra ela no momento em que tentou subir novamente no ar. E a atingisse no ombro com tanta violência que garota perdeu o equilíbrio da vassoura e foi direto para o chão. A sensação que ela tinha era de que  o mesmo havia saído do lugar. A única sorte que tivera era a de não estar tão longe do chão. Durante o impacto, fez questão de fechar os olhos para não ver aquele estrago. No entanto, ela foi capaz de sentir. E muito bem. Mavis acabou estirada na grama com cada músculo de seu corpo doendo. Ainda mais o ombro, que havia sido atingido. — Puta que pariu. — Praguejou, abrindo os olhos ao tentar se levantar. Só que tudo doía tanto que ela logo voltou ao chão.

— Ai, gente. Sinceramente... Soldado abatido. Ahn... — Tinha nem condições de voltar ao ar, então a garota apenas continuou ali caída, tateando as vestes em busca da varinha. Ao encontrá-la, deu uma olhada no ombro que era o que mais doía, aparentemente estava torcido. — Musculum Remendo! — Recitou o feitiço, apontando para o ombro na tentativa de arrumar ao menos aquela bagunça.

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