look at the stars

O anoitecer em Castelobruxo seria para sempre uma memória reconfortante a qual eu buscaria nas entranhas de minha mente se quisesse me poupar de pensamentos ruins. Havia algo de nostálgico no som do farfalhar das árvores, na paleta sacrossanta de cores que se mesclavam numa explosão fleumática de azul, amarelo, rosa e laranja — dignas de um registro, pelo menos um.

Após um dia cansativo porém recompensador como docente da escola, rumei para a minha sala e, após analisar o estado das espécies herbológicas que fariam parte de meu mais recente estudo, lancei-me contra minha cadeira giratória e arremessei sobre minha mesa um bloco de pergaminhos amarrados por um barbante vermelho — os temidos testes de quarta-feira: temidos tanto pelos alunos quanto pelo professor na hora de corrigi-los. Apoiei meus pés sobre a superfície da mesa, os braços cruzados, a encarar o teto perdido em pensamentos. Lembrei-me do que tinha pensado em fazer, levantando-me num salto e procurando desajeitadamente por meu estojo de aquarela. Tinha de estar ali, ora.

Encontrei-o, por sorte, no fundo da gaveta onde guardava minhas gravuras de espécies recém-descobertas. Bingo! E lá vamos nós, registrar um pedaço da minha infância, adolescência e juventude, algo que decerto sentirei falta em tempos futuros. Subindo as escadas, trombei com alguns de meus alunos, a quem fiz questão de cumprimentar com um breve afago nos cabelos. Crianças, de fato, filtram a energia de qualquer ambiente, tornando-o mais leve. Bebi um pouco d'água da fonte cravada na parede de pedra do quarto andar — aproveitando para encher os tubos dos pincéis — e continuei meu percurso até o quinto andar, apenas caderno, estojo e varinha em mãos.

O ambiente, embora úmido, era decerto mais frio do que qualquer outro local no castelo. Não que isso fosse um problema — o frio parecia revigorante após um dia longo de trabalho vestindo trajes pesados como os que sempre vestia. Pulei o último degrau da escadaria de maneira enérgica, caminhando até o batente o terraço e analisando o restante de tarde que ainda havia explícito nos céus. Saltei sobre o batente, sentando-me no limiar entre os pilares de pedra e o nada. Saquei meu caderno e organizei os pincéis e as aquarelas, logo iniciando minha gravura do céu ao entardecer em Castelobruxo. Uma brisa gélida circundava o ambiente e fazia meus cabelos e as folhas do caderno se alvoroçarem, mas nada que eu não pudesse controlar. Naquele momento, o céu estava num estado de transição entre o entardecer e o cair da noite. O farfalhar das árvores, o canto tranquilo dos pássaros e alguns outros ruídos externos eram uma agradável sinfonia.

As cerdas do pincel se arrastavam, ásperas e ensopadas, sobre o papel amarelado. Já havia finalizado a base do desenho com o lápis grafite, estando finalmente pronto para começar a pintar. Uma brisa gélida e revigorante me atravessou enquanto eu preenchia o desenho de cores. Estar ali, a sós, prestando atenção nos pequenos detalhes da natureza e do universo, trazia uma sensação agradável de tranquilidade. Não que eu fosse do tipo solitário, mas momentos como aquele eram de fato necessários na vida de qualquer um.

Descobri que não estava mais sozinho ao ouvir os passos furtivos de quem quer que fosse minha nova companhia. Abri um sorriso tímido ao ouvi-la pronunciar meu primeiro nome, logo reconhecendo a dona daquela voz doce e cadenciada. Terminei de misturar o amarelo ao laranja para dá-la atenção, a encarando por um instante. "Débora", a cumprimentei com um meio sorriso. Desci do parapeito num salto, espanando minhas vestes e recolhendo meus materiais artísticos.

"Va bene?", brinquei, levantando os braços numa maneira mais italiana de demonstrar animação. Um rascunho ainda úmido descansava em minha mão direita, meus pensamentos agora focando somente na moça à minha frente. Passei a mão esquerda pelos cabelos, o meio sorriso ainda marcando meus lábios. "O entardecer é a minha parte preferida do dia", apontei para cima com o queixo, cruzando os braços. Deixaria para outro dia a tentativa de registrá-lo, afinal, a noite não tardaria em cair sobre nossas cabeças.

Me aproximei mais um pouco da minha companheira de trabalho, entusiasmado com a novidade que era sua presença por ali. "Imagina, já escureceu. Minha intenção era pintar o pôr-do-sol, mas ele já se foi", justifiquei-me.

Observei a jovem à minha frente pronunciar aquela língua tão familiar aos meus ouvidos com um deslumbramento incaracterístico à minha pessoa. Algo na maneira com que ela se dirigia me trazia uma tranquilidade inigualável — uma energia maternal, quiçá? Além de seu italiano soar claro e desenrolado, o que me encantou ainda mais, por incrível que aquilo pudesse parecer. O motivo de meu estranhamento era claro: não me encanto por mulheres dessa maneira — pelo menos não até agora. Partindo para o lado indelicado da morfologia, serei bastante claro: não tem essa de se encantar, eu não fico de gracinha, admirando de longe e fazendo poesia; por aqui é pá-pum, pego, trepo, tchau e bença.

Uma maneira mais simples colocar meu ponto de vista à mostra seria dizendo que eu nunca me apaixonei por ninguém. Talvez isso seja um bom tópico para discutir no analista, mas minha mamma sempre disse que tudo tem seu tempo. Talvez seja bom discutir isso no analista também, eu ser um belo de um mammone.

"Mudanças cairiam bem", afirmei, pigarreando e juntando as mãos à frente de meu corpo. Voltei a admirá-la sem um pingo de pudor, observando seus cabelos ruivos dançarem com o vento norte. Belissima.

O forro da noite caía sobre nossas cabeças à medida que conversávamos sobre assuntos triviais e referentes à docência, trazendo com ele, a chuva característica da estação. Notando o quão engrossavam os pingos, instintivamente a acobertei com a capa de meu caderno, a guiando até o interior da sala de astronomia, onde poderíamos permanecer até a precipitação cessar. A deixei entrar primeiro, é claro, entrando em seguida e fechando a porta. Deixei meus itens artísticos largados em uma das mesas e retornei à companhia da docente, as mãos nos bolsos das calças de brim.

"Não me importaria de ficar aqui para sempre", brinquei, um sorriso jocoso em meus lábios enquanto admirava o céu estrelado característico da sala. Aproximei um olho à lente de um dos telescópios, me maravilhando com o que tornei a ver. A lua, a mesma lua que admirávamos do lado de fora há pouco, sua resolução aumentada em milhares de vezes. "Fascinante. Venha ver", convidei-a, na ânsia de me aproximar mais um pouco da garota. Sua companhia era agradável. Talvez mais agradável do que todas as outras mulheres as quais conheci, quiçá.

"Onde é o seu Vênus?", indaguei enquanto a observava se aproximar do apetrecho, abrindo um sorriso de lobo por suas costas ao cruzar tal território assim, tão rápido.