Espelho quebrado, colher quicando três vezes ao cair, nuvens em formatos estranhos, chuva forte naquela época do ano... Aquele dia tinha tudo pra dar errado, tudo! Apreensiva, Bianca tentou usar a teimancia para acalmar seu coração, na esperança de que as folhas de seu chá de camomila matinal pudessem lhe mostrar que todos aqueles acontecimentos não passavam de uma má impressão e que tudo, na verdade, estava bem. Errada mais uma vez, as colinas formadas no fundo de sua xícara confirmaram o que temia. O sentimento era real, algo ruim estava por vir e, talvez, se pudesse se esforçar o suficiente para descobrir o que, pudesse impedir.


O mau agouro que muitos sentiam no ar daquela tarde chuvosa em Castelobruxo, para Bianca, clarividente, era quase palpável. Passou o dia inteiro sentindo fortes pontadas nas têmporas, seguida de turbidez na visão, sinais de que teria um episódio em breve. Ciente do que aconteceria, trancou-se em sua sala com as luzes apagadas e ascendeu algumas velas sem o uso de sua varinha. O incenso de sândalo aguçaria suas habilidades e traria a visão a tona o mais rápido possível. Ela só queria se livrar daquela sensação horrível que lhe pesava o peito. Sentada atrás de sua mesa, Bianca repousou suas duas mãos sobre uma bola de cristal que jazia em uma almofada lilás, ali ficaria guardada a visão, caso acontecesse.  Com um sopro, o filete de fumaça branca circulou o corpo de Torres e sua visão turvou, antes de clarear novamente.

Ela observava, de cima, um ambiente muito bem conhecido por si. Era o saguão da COMASUL. Apesar da visão estar muito turva e escondida atrás de um véu de névoa branca, não teria como confundir o lugar no qual ela trabalhou por anos antes de entrar para o corpo docente de Castelobruxo. Os ouvidos da docente foram preenchidos pelo barulho muito alto de passos e, por entre a névoa, ela pode observar um grupo de homens trajando fardas cinza e branco entrarem no ambiente ao mesmo tempo. Pareciam estar sozinhos... Ou não estavam? A branquidade do nevoeiro diminuiu aos poucos e; em seu último momento dentro da visão, Bianca vislumbrou tatuagens idênticas, nos braços dos recém-chegados.

Com uma palavra seguida de um grito ensurdecedor invadindo seus tímpanos, a docente voltou a si tão violentamente que sua cadeira pendeu para trás e ela teve que se segurar na mesa para não cair. Ofegante, correu até a enorme janela na direção da clareira de magizoologia e pode ver um enorme grupo de pássaros alçando um voo totalmente descoordenado. "Algo está vindo...", pensou, tentando identificar a quem pertencia a voz ouvida no minuto anterior... — Beatriz. — Os olhos da docente marejaram, como se soubesse que já era tarde demais, mas, ainda assim, ela se apressou para escrever uma carta para a colunista de fofocas.