O falcão peregrino baixou seu voo do alto de uma estante para dar uma volta rasante ao redor do professor de história da magia. Era mentira, das mais deslavadas, afirmar que o Dutra sentia-se confortável naquele ambiente. Ainda que, em sua própria concepção, não fizera mal algum à Paula, a bibliotecária, as criaturas protetoras da biblioteca, também conhecidos como os veteranos, discordavam veementemente e mantinham claramente seus olhos atentos espichados em sua direção.

— Boa tarde. — Cumprimentou, quase irônico ao avanço do falcão peregrino. O sotaque portoalegrense conseguia acentuar ainda mais o tom enojado com o qual se dirigia a criatura. — Se você puder me dar uma mão... — Ou seja, servir para alguma coisa, acrescentou mentalmente. — Preciso de um livro de um ex-aluno aqui de Castelo Bruxo. — Explicou, os dedos esfregando o queixo barbado. — Se chama Esquecer não é crime, do Daniel Lins. Tenho certeza que foi conterrâneo de algum de vocês, veteranos. — Acrescentou, amaciando o tom. O Lins já devia ter passado dos setenta anos, mas a frequência de seus escritos enviados para a biblioteca escolar mantinha-o vivo na presença daqueles que acompanhavam o trabalho do filósofo.

O falcão emitiu um ruído incompreensível e bateu as asas, como se chamando para Rodrigo segui-lo. E assim o historiador o fez. Passaram por estantes infinitas de livros de poções, de transfiguração, subiram escadas e desceram metros depois. O docente tinha que apressar o passo, ensaiando uma corrida parcial nos corredores da biblioteca enquanto insistia em não deixar o falcão sumir de vista. Deram, ao menos, três círculos ao redor do coração da biblioteca antes do Dutra, queimando em fúria, desistir da empreitada. Empurrou dois livros esquecidos sobre uma das mesas para o chão, onde aterrissaram com um impacto forte. Os olhos do falcão faiscaram na sua direção. — Porra, cansei. — Declarou, retribuindo o olhar da ave enquanto retirava a varinha do bolso. Apontou-a para o alto e declarou em bom som: — Accio Nietzsche & Deleuze!