Até o momento, Bianca agradecia o período de férias. Fazia pouco tempo desde seu início e suspensão do estado de calamidade, e ela, que ainda não havia saído de casa para festas e bares, começava a se questionar sobre o que seria do ano novo. Fariam festa em casa, entre os parentes, como um natal? Talvez sim, se conseguisse colocar na cabeça de todos os Torres, Assis e agregados que deviam continuar tomando cuidado pois a situação estava muito pior do que imaginavam, mas para isso ela já tinha um plano. Qual o sentido de ser editora-chefe de uma revista se não for pra formar opiniões? Escreveria um artigo para a Bruxaria Hoje, tendo foco no novo decreto, e faria de tudo para ter uma entrevista com Ian Ruzzo nos próximos dias, o rosto dele numa capa que havia sido prometida ao presidente, certamente, chamaria atenção dos leitores. Restava saber se o novo chefe do supremo aceitaria. Era estranho Alícia ainda não tê-lo entrevistado depois da saída de Ares, mas agora a pauta era da Torres.

"Acho que vai ser a Capitolina, vou ligar pra ela amanhã." Pensava Bianca, enquanto folheava uma revista de casamentos, onde a foto da organizadora estava estampada logo ao lado de uma matéria inteira sobre como ela é perfeccionista em seu trabalho. Sonhadora e iludida, nem noiva estava, mas já havia começado a organizar tudo o que diz respeito à cerimônia de casamento pois lembrava muito bem do anel de ouro em seu dedo anelar em sua última visão, quando descobriu que estava grávida de uma menina. Uma das partes ruins em ser uma clarividente é isso, as coisas não são mais surpresa para você. Qual a graça de fazer um chá de revelação quando você já sabe o sexo biológico da criança? Ainda assim, a mais nova mamãe de Castelobruxo mantinha essa informação em segredo até de Miguel.

— O que!? — Ela berrou, pondo-se de joelhos no sofá de casa, para ter Miguel sob seu campo de visão. Ele fingiu não ouvir e virou-se para ela. — Cuidado com o vaso. — Disse, em aviso, sabendo que o desastrado iria bater o cotovelo no vaso de porcelana azul da matriarca da família Torres e ele iria acabar caindo. Como esperado, o namorado voltava da cozinha com um prato de brigadeiro caseiro e duas colheres quando tocou seu cotovelo esquerdo — como Bianca alertou — no vaso de Macarena, e ele despencou, mas não se chocou contra o piso de madeira. Ao invés disso, flutuou, comandado pela varinha da Torres, de volta para a mesa de centro. Com a famosa cara de cachorro pidão, Miguel sentou-se ao lado de Bianca e selou seus lábios antes de perguntar qual filme assistiriam, como se nada tivesse acontecido. — Não, não, o que você disse? Um Dorso-Cristado Paraguaio? — Perguntou alarmada. Essa era uma das criaturas de sua pesquisa; e toda a teoria de seu livro, no que concerne ao Dorso-Cristado, era baseada em literatura, nunca antes teve a oportunidade de encontrar um frente a frente. — Onde? A gente tem que ir pra lá. — Insistiu com o Assis que estava claramente arrependido de ter comentado sobre, mas foi obrigado a dar os detalhes a loira feroz.

Depois de uma breve e inflamada discussão sobre ir ou não ir, Miguel conseguiu "convencer" sua namorada grávida a não se meter na missão suicida que era enfrentar um dragão em nome da ciência. Na verdade, isso foi o que ela quis que ele acreditasse, quando notou que a discussão não estava chegando a lugar algum. Sabia, afinal, que no dia seguinte às sete da manhã ele receberia uma ligação e seria convidado com urgência para a sede da confederação na Capital Bruxa para ajudar na missão de contenção da criatura. Era conhecido que a maioria dos artigos sobre o dragão foram publicados pelos dois, mas apenas Miguel seria convidado, afinal, ele era um linguista e Bianca uma surtada que arrumou confusão com o presidente.

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Na manhã seguinte ambos acordaram o casal foi acordado pelo toque do celular de Miguel. Como esperado, a confederação o convidava para sua sede, a fim de explicar a todo o esquadrão sobre fraquezas, anatomia, temperamento, costumes e tudo o que o magizoologista já havia descrito com base em suas pesquisas. Ler, estudar e entender aquela quantidade de artigos sobre o Dorso-Cristado demandaria muito tempo, coisa que a COMASUL não possuía no momento. — Tudo bem, eu entendo, você é o linguista. — Disse Bianca, fingindo surpresa quando o o namorado explicou toda a situação. — Uma pena eu não ter sido chamada, realmente uma pena. — Deu de ombros e se levantou, correndo para o banheiro. Enjoo matinal é normal aos dois meses de gravidez? Ela precisava voltar marcar outra consulta no Maria da Conceição, mas ficaria pra outro dia. Não era uma gravidez que impediria Bianca de seguir sua intuição.

Poucos minutos depois Miguel estava com sua mala pronta, não tinha que levar muita coisa e talvez voltasse para casa hoje. Combinaram de mandar mensagens de tempos em tempos para explicar a situação, caso ele fosse se atrasar para voltar, ou até mesmo dormir por lá mesmo. Assim que o Assis partiu, Bianca correu para e preparar. Calça jeans escura, camiseta regata e um coturno. Na bolsa expandida, carregava alguns sanduíches, jaqueta, outras duas mudas de roupa, kit de primeiros socorros e 5kg de carne crua, precisaria comprar mais para repor sua geladeira quando voltasse. Sem demorar, caminhou alguns passos na rua e desapareceu no ar.

Um vórtice se abriu em frente à Igreja de Pedra em Guaíra e Bianca se materializou e respirou fundo. Por onde começar? Bem, Miguel havia lhe dito que o Dorso-Cristado foi avistado atacando trouxas às margens do Rio Paraná, pista maior que essa? E foi exatamente para lá que a Torres foi. Após alguns cliques na tela de seu celular, um carro chegou e ela entrou. — Estou a passeio, vim para conhecer o rio. — Disse, em resposta a pergunta do motorista simpático. Não era seguro perguntar sobre o dragão ali. Tudo bem, os boatos já deviam estar rolando em toda cidade, mas e se os obliviadores já tivessem concluído seu trabalho? Esperava não chegar tarde demais.

Após pagar o motorista, Bianca desceu. — Tem certeza que quer ficar aqui sozinha? — Ele perguntou, aparentemente preocupado.  — Sim, obrigada. É exatamente aqui. — Respondeu ao homem gentil, com o olhar longe, em busca de sinais da criatura. Na melhor das hipóteses, seria atacada ali mesmo; na pior, teria que procurar o animal naquela região. Assim que o motorista deu meia volta, Bianca se pôs a caminhar em direção à fronteira com o Paraguai, sempre atenta aos sinais. Sabe aquele ditado que diz "onde tem fumaça, tem fogo"? Foi esse o pensamento que correu pela cabeça da maluca quando viu um fino filete e fumaça subindo de uma das ilhotas no meio do rio. "Só pode ser ali." Sacou a varinha, focou a visão em seu destino, e desaparatou.

A cova do leão ou a boca da cobra? Como é que dizem? Não importa agora, Bianca aparatou direto no ninho do dragão. Quando seus pés tocaram a areia sob a fuligem e seus olhos correram pelo ambiente, soube que estava no lugar certo. Tudo em um raio de trinta metros estava queimado, só havia fuligem, areia e algumas lascas do que sobrou das árvores que costumavam crescer ali, mas onde estava o dragão? Concentrada, atenta, com sua varinha à frente do corpo, ela tentou rastrear a presença da criatura. Esse era um de seus dons, algo que vinha desenvolvendo desde que voltou a aceitar que sua clarividência nem sempre é uma maldição. Sentiu a energia de alguns pássaros nas árvores distantes, um lagarto se arrastando e até alguns peixes no rio ao redor da ilhota. Cada presença chegava na forma de uma sensação diferente, quando maior e mais poderoso o ser, mais intensa a sensação. E o que ela sentiu vindo dos céus fez os pelos de seus braços arrepiarem.

Info:

Abençoado seja o sangue Torres. Bianca agradecia, mentalmente, por ter sido a única de sua família a herdar o dom sanguíneo, pois conseguiu notar a presença do dragão voando ha alguns metros ao leste. Virou-se para observa-la e, ao longe, parecia minúsculo e inofensivo, um pássaro estranho, nada mais. Ainda assim, a loira manteve sua varinha em punho e mirou na cabeça da criatura quando notou que ela mergulhou, em um rasante, pronta para matar a pesquisadora maluca. — Merda! Merda! — Gritou ao ver o tamanho do dragão aumentando quando ficava mais próximo, àquela velocidade, se a acertasse, causaria sérios danos. "Vamos dançar... Aequora Teggo!" A varinha e a dona eram como um só ser, Bianca tentou conjurar uma barreira de água no local onde estava e saltou para o lado esquerdo, dando uma cambalhota em um monte de areia e fuligem. Sua intenção era enganar a criatura com o reflexo do sol sobre a superfície da água e confundi-la quanto sua posição real.

Informações para o duelo:

O plano de Bianca funcionou perfeitamente! Seu salto sobre o monte de areia acabou a salvando de um ataque, possivelmente, mortal. O dragão atravessou sua barreira de água devido a velocidade, mas isso não a impediu de contra atacar a fera. Como se apaga fogo? Com água! Como se defende de um dragão? Da mesma forma. Seu couro era grosso demais para ser atravessado por qualquer feitiço. "Se bem que um Bombarda Maxima... Não, não estou aqui pra isso." Ela se meteu a enfrentar esse perigo para melhorar a qualidade de seu livro, tudo em nome da ciência. Como a espécie foi catalogada sem tanta base de dados? Talvez porque ninguém nunca sobreviveu ao ataque de uma, mas Bianca estava determinada. Moveu a varinha no ar, no instante em que o dragão tocou sua barreira, conjurando um segundo feitiço elemental. "Glacius", mirava na água conjurada anteriormente.

Informações para o duelo:

A velocidade somada ao peso do dragão fizeram a barreira conjurada por Bianca se quebrar em mil pedaços de gelo. Ela achou que aquilo daria certo. Que, no mínimo, ele diminuísse sua velocidade, ou se chocasse contra a barreira de dois feitiços combinados e não passasse por ela como se fosse uma folha de papel seda. A gigantesca fera de escamas negras gritava pelo sangue da pesquisadora que resolveu se enviar em sua nova casa. Se Miguel estivesse ali, era certo que traduziria o berro ensurdecedor para "o que é que essa loira magricela está fazendo aqui?" O corpo da Torres se arrepiou e ela esperou o ataque do dragão com a varinha em punho. Praticamente ouvia o pelo de Onça da Mão Torta no núcleo de sua varinha chorar, arrependido por ter escolhido uma louca como sua companheira para toda vida. A docente preocupada começou a dar alguns passos para trás, temerosa.

Bianca se concentrou para tentar prever qual seria o próximo movimento do Dorso-Cristado, começando a se arrepender de sua decisão de ir atrás dele sozinha. Bingo! De repente, o dragão, próximo o suficiente, moveu seu corpo para o lado e lançou um golpe de cauda contra a loira. Como é que aquele infeliz se movia tão rápido sendo grande daquele jeito? "Confrigo!", apontou a varinha para a cauda do monstro que avançava em sua direção, esperando que o impacto da explosão ao menos diminuísse a velocidade e força do avanço. "Protego!" Os dois feitiços foram conjurados quase simultaneamente, na esperança de defesa. De acordo com a visão da clarividente, essa era uma das únicas formas que ela tinha para se defender de tal ataque, mas aquilo foi mesmo algo vindo de seu dom sanguíneo ou foi sua cabeça querendo a fazer acreditar nisso? Esperava que fosse a primeira opção. Se tudo corresse bem, de acordo com a visão, seu primeiro feitiço reduziria a potência do ataque do dragão o suficiente sua barreira conseguir resistir.

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Que previsão foi essa, maldita!? Bianca conseguia ouvir sua avó gritar ao pé de seus ouvidos quando percebeu que deu tudo errado. Ela realmente acreditava que o impacto do Confrigo fosse diminuir a velocidade do ataque do dragão e, com isso, seria capaz de defender-se apropriadamente com a barreira conjurada, mas isso não funcionou. A explosão de seu primeiro feitiço se formou, grande, poderosa, mas isso importa? O animal era inteligente, tentou diminuir sua velocidade para não sofrer com o ataque da loira e voltou com força total logo em seguida. A barreira conjurada por Bianca estremeceu com o choque da cauda e se desfez, restando apenas o corpo da Torres diante daquela imensidão de carne, osso e escamas.

Como uma boneca de pano, Bianca foi lançada longe. Sua sorte — se é que cabe dizer isso — foi que o dragão já havia queimado toda a vegetação e ela caiu sobre um monte de areia fofa, com um gemido alto de dor. Por dois segundos, não conseguia respirar. A dor percorria seu corpo como corrente elétrica, ela não sabia identificar exatamente onde sentia, só sabia dizer que doía, e doía muito. Estava morta e o duro é que ninguém iria saber. Viraria comida de dragão ali mesmo e ele não deixaria nada pra contar a história. O cabo branco da varinha brilhou, refletindo o sol, e a esperança voltou a preencher o corpo da futura mãe — será mesmo? A sombra do dragão se moveu, ele estava pronto para atacar mais uma vez, merda!

Ainda com dor e movida apenas pelo instinto de sobrevivência, Bianca alcançou a varinha e girou o corpo para cima a fim de conseguir mirar melhor. — Fianto Duri!! — Gritou em desespero quando viu as labaredas avançando em sua direção. Estava morta?

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O fogo se chocou com a folha protetora formada espalhou-se para os lados antes do dragão parar de sopra-lo. Não havia muito mais o que queimar ali, mas aquele não era o momento certo para se preocupar com a flora local e sim com sua vida que ainda corria risco. Sentindo o bafo do dragão se aproximar, a Torres, ainda deitada, conjurou um segundo feitiço. Cave Inimicum. Na intenção de desaparecer aos olhos da fera. Sim, ela sabia que o dragão tinha bom olfato, mas também sabia que sentir um cheiro sem ver seu alvo o deixaria confuso, tudo isso fazia parte de seu plano. Deitada na areia e fuligem, com o foco da dor em sua barriga, não questionava se sua filha estava bem, isso já sabia, mas o que Miguel diria a respeito disso? Ele, certamente, não iria ficar nada satisfeito em saber que foi enganado e que Bianca estava arriscando a vida por causa de um livro.

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— Mas que porra! — Resmungou, ficando de pé, quando viu que o dragão continuava ali. Não a procurava, não farejava, muito pelo contrário: o demônio já se preparava pra um outro ataque. Pra que chutar cachorro morto? Justo ela que saiu de casa disposta a não ferir a criatura de forma alguma. Como diria aquela pensadora não-maj: A vida é realmente uma piada, quando acho que to bem acontece uma desgraça. Essa frase resumia exatamente o que Bianca sentia. O que lhe restava, agora? A carne! Arrastando-se para trás, ela enfiou a mão na bolsa expandida e tocou algo frio. Cravou as unhas no pedaço mais de cima e arrancou uma porção de três quilos dali. Na teoria, o cheiro despertaria interesse do dragão, por isso ela segurou diante dos olhos da fera antes de, em um movimento único, jogar a carne para a esquerda, o mais longe que pode. E a dor? Era ignoranda com ajuda da descarga de adrenalina que fazia seu sangue ferver. Era isso ou morrer.

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Aliviada, dolorida e com o coração cheio de ódio, Bianca conseguiu sorrir, satisfeita por estar viva. A atenção do dragão foi desviada pela carne, tempo suficiente para ela se por de pé, tomar alguns poucos passos de distância e ajeitar a postura para começar a revidar. Que o santo Miguel, protetor dos animais, não soubesse dos pensamentos que lhe ocorriam naquele momento. Será que a carne de dragão é gostosa? O coração pulsava tão forte que ela podia ouvir suas pancadas desesperadas. Seu corpo estava pedindo para que fugisse. Seria tão melhor ela simplesmente desaparatar dali para um lugar seguro, mas conhecendo o demônio Torres, ela não fugiria.

Esperava que a distração da carne funcionasse melhor, que o dragão se afastasse em busca de seu alimento, mas ele parecia mais interessado no corpo da presa vida parada a sua frente. É impressionante como o mundo gira mais devagar quando a adrenalina começa a agir, não? Bianca sentia como se pudesse fazer qualquer coisa, tinha todo o tempo do mundo que corria em câmera lenta, como nos filmes de ação que costumava ver. Era bom, e como! Já faziam alguns anos desde que temeu por sua vida, a última vez foi durante o duelo que resultou na morte de seu ex-noivo.

Seus olhos percorreram do dragão para as chamas vermelhas que a rodeavam, queimando, sem parar, sobre a areia, na total ausência de combustível. Naquele momento sua mente deu um clique. Conhecia um único feitiço que possuía tal capacidade, o Fogo Perpétuo. Conjurar o Ignotus Gaubracianus era garantia da destruição total de seu alvo pois as chamas não se extinguiriam até que o mesmo fosse queimado. Naquele caso, o alvo era a areia pela qual as poucas chamas restantes insistiam em queimar.

Era como se já tivesse vivido aquilo. Seu corpo sabia exatamente o que precisava fazer. Quando ouviu o rugido da besta avançando em sua direção, ela chutou o monte de areia sob seus pés e correu para a direita, saltando sobre as chamas quentes e insistentes que ainda dançavam por ali. "Ignotus Glaciare." Conjurou com a varinha apontada a direção do dragão. As chamas frias podiam não o matar, mas certamente causariam um bom dano, além de diminuir sua velocidade as baixas temperaturas.

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