Sentia-se curada, mas não completamente cicatrizada. Apesar de sua forte ligação com o elementar terra a ajudar a digerir muito bem seus sentimentos, o sol em peixes não permitiria o esquecimento tão cedo e esse continuava sendo um sentimento pesado demais para a pobre Irlandesa sem família. Queria perdoar Astrid por ter se aproveitado de seu pai, queria perdoar a família inteira por ser tão preconceituosa não tinham culpa, tinham? Eles foram criados assim, afinal. Entretanto, ainda que tentasse esquecer tudo e tirar o grande peso que carregava nas costas como um fardo, não conseguia. Sua ideia sobre os Belenus estava muito bem formada e a meio-sereiana não mudaria tão logo.

Três dias depois, finalmente, conseguiu sacar o dinheiro no Banco Eldorado e seguiu e investiu em uma construtora. Essa foi a única ideia que a garota teve, montar uma loja para si própria e trabalhar com criaturas mágicas que sempre foram sua paixão, por esse motivo mudou-se para o Brasil no ano anterior, sua fauna e flora é extremamente rica. Mas, e agora? Pra onde ir enquanto sua loja não era construída? Foi quando, fuçando o witchgram, Aurora viu o anúncio de vagas para ajudante na loja de varinhas da vinte e cinco. ”Por que não?", pensou. Não era uma vaga de atendente, o anúncio era claro, era ajudante. Isso significava que ela trabalharia com a fauna e flora diretamente. Aprender mais sobre as madeiras brasileiras usadas na confecção de varinhas e seus núcleos mágicos.

A garota só teve tempo para vestir algo mais apresentável e aparatou na frente da loja. O que uma branquela Irlandesa foi fazer em uma loja de varinhas? Parece começo de piada infame, mas aparentemente a dita branquela tinha seus atrativos pois foi acabou sendo contratada no mesmo momento, com data para começar o trabalho no dia seguinte. Mas, por falar em ter atrativos, o que era aquele homem? Ela, sinceramente, não sabia que pessoas tão jovens e bonitas podiam trabalhar como artesãos de varinhas. No Reino Unido devia ser proibido porque, francamente, um mais velho que o outro. De qualquer forma, veja bem, agora ela tinha um novo emprego e isso ajudou nossa menina a se desligar de seus problemas familiares. Talvez até demais.


Não muito tempo depois, Aurora entendeu que estava apaixonada por seu chefe. O que? Apaixonada? É, isso mesmo. A funcionária metida a cantora estava apaixonada por seu chefe. Mas ela não caía de amores por aquele garoto de Castelobruxo, o Kevin? Bem, sim. Caía, não mais. A história com o tal Kevin foi mais um dos vários amores não recíprocos da Belenus, mas o único que ela chegou a namorar de fato, se é que aquilo pode ser chamado de namoro. Um relacionamento frágil e quebradiço que durou menos de seis meses é considerado um namoro sério? Na época ela achava que sim, mas sempre com a mania horrível de se diminuir para tentar se encaixar no mundo dos outros, demorou muito a entender o quanto sofria.

Se dobrava e desdobrava à vontade do namorado que a proibia de fazer qualquer coisa que não estivesse sob seu controle. Da pra acreditar? Não podia vestir-se como gostava porque aquilo chamava muita atenção e ele não queria maus olhares sobre sua namorada querida. Não podia estudar ou sair com os amigos nos fins de semana livre no castelo porque ele dizia ter ciúme e, por ser a única verdade que ela conhecia, sucumbia a isso. Sucumbia a ele e a suas vontades até que, em um dado momento, sentia-se sufocada dentro de si mesma. Até seu canto morreu. E, acredito que todos devem saber que cantar é o que Aurora mais gosta de fazer. Ele a mudou. A podou. A modelou sob seu próprio molde e quando viu que não gostava de sua nova criação, a descartou. O que mais poderia fazer? Deixa-la ser ela mesma? Não, não era de seu feitio. Jamais permitiria que a sua namorada fosse ela mesma. É… Aurora — que já não mais sabia dizer quem era seu verdadeiro eu — passou os últimos quatro meses do ano se arrastando pelos corredores, apagada, e ainda apaixonada pelo traste. Esse era foi o motivo de seu desespero quando recebeu a carta de seu pai dizendo que não poderia voltar pra casa. Pra onde mais iria senão casa?

Bem, no final das contas a garota acabou descobrindo uma nova casa onde não esperava. Sim, a garota é mestra em botar expectativa onde não existe nada. Ainda. Esse “ainda” foi por conta dela.

Como eu dizia, Aurora se apaixonou por Diego. Todos os seus jeitos, a forma que a tratava — até inventar que ele a olhava diferente a menina teve coragem de inventar, só sendo muito iludida mesmo —, como dizia seu nome ou a chamava pelos corredores. Estar perto dele a fazia bem, mesmo que não tivessem nada e provavelmente nunca teriam. O que é que ela podia fazer para ser vista como ela o via? Ah, claro, música. Assim, tão simples quanto parece, Aurora sentou-se em seu apartamento alugado em São Paulo e começou a escrever em uma folha tudo o que sentia quando pensava em Diego. Por que ele não a olhava como ela gostaria? Tanto tempo juntos, ela havia desenvolvido sentimentos bem reais enquanto ele nem parecia a ver se ela parasse em sua frente. Por que?

Passou alguns minutos escrevendo todos os seus sentimentos em versos curtos e, ao fim, percebeu que nem todos eles se tratavam de Diego. Haviam histórias diferentes naquelas palavras. Metade para a paixão atual, metade para o antigo “amor”. Alguns versos se misturavam com os outros e a garota percebeu que juntos não faziam muito sentido. Não seria mais coerente organizar todos os pensamentos e dividi-los? Sim, seria. E assim ela o fez. No fim daquela madrugada, a Irlandesa tinha em suas mãos duas músicas de sua autoria. Uma dedicada a Kevin, o namorado abusador que ela queria deixar pra trás, amor esquecido; e outra para seu conquistador, crush e homem perfeito, Diego.