procura-se um herdeiro

"o desaparecimento do farias filho"

RP FECHADA ENTRE CAZUZA SODRÉ CAVALLARO e ROBERTO RICARDO FARIAS.  ESTA RP SE PASSA NO EDIFÍCIO DA COMASUL, NA CAPITAL BEUXA, EM 16 DE AGOSTO DE 2020.

O caso do farias desaparecido

"onde estará victor farias?"

Caos, caos, caos — era tudo o que conseguia pensar enquanto soltava o pó de flu na altura de sua testa, desembocando na lareira de uma hospedaria bruxa na Capital — possivelmente a única lareira existente na região norte do Brasil, utilizada especialmente para o transporte na rede de flu. Cambaleou para a frente, desajeitado, perguntou ao balconista sobre a localização do edifício da COMASUL e caminhou para fora do estabelecimento, apressado.  Tentou ao máximo manter a calma, mas o tremor em suas mãos era evidente. Teria de atravessar um longo em meio às ruas caóticas da cidade, mas pelas passadas longas e apressadas com que cruzava as esquinas abarrotadas de bruxos e bruxas seguindo com suas rotinas estressantes, não demoraria tanto até que chegasse no local.

O prédio da COMASUL era grande e pomposo, assim como as pessoas que entravam e saíam de seu interior. Tomé adentrou-o de coração apertado; podia sentir a tensão fazendo os ossos de seu corpo vibrarem. Riu internamente ao perceber os sapatos lustrosos dos outros homens que ali estavam. Tinha esquecido sua fantasia de garoto da high society em casa. Na verdade, há tempos não se importava com qual marca sapato deveria usar. Sua mãe o havia ensinado a ser um rapaz humilde, apesar de sua posição prestigiosa na sociedade. E era graças à ela, afinal, que estava ali, debruçado sobre o balcão de atendimento, informando à recepcionista que tinha um assunto urgente a se tratar com o Sr. Farias, torcendo os dedos para que ele lembrasse de seu sobrenome e aceitasse sua presença em seu escritório. Após algum momento de espera batucando ritmicamente a perna direita no chão de mármore enquanto tentava manter-se sentado num dos confortáveis sofás de couro do átrio, fora informado de que poderia dirigir-se ao escritório do Presidente da COMASUL, acompanhado de alguém da segurança. Permitiu que o confiscassem, abrindo mão do porte de sua varinha e qualquer outro adereço mágico que estivesse carregando. Direcionou-se, na companhia de dois guardas, até um dos elevadores. A viagem foi um pouco longa, o permitindo relembrar-se de que Cora provavelmente deveria estar presente na biblioteca — péssimo timing.

Afastou quaisquer pensamento alheio de sua mente num movimento com a cabeça, suspirando ao finalmente desembocarem no oitavo andar. Atravessando a ala, não pôde ignorar a grandiosidade do local e sua tamanha importância. Olhava de soslaio as passagens para os escritórios dos representantes de cada país, admirado. Foco, Tomé Carlos, foco. O guiaram até o gabinete do presidente, no final da ala. Observou um deles bater com uma firmeza reprimida na porta da sala antes de abri-la respeitosamente. Não conseguiu distinguir as palavras que trocou com o Presidente, mas imaginou que deveria ter sido algo como "há um garoto esquisito de cabelo desmiolado e olhar covarde querendo falar com Vossa Excelência" e cerrou os dentes.

Um dos guardas finalmente permitiu que fosse escoltado para dentro da sala, onde cumprimentou o dirigente com um aperto de mão. Pigarreou. "Boa tarde, Vossa Excelência",  manteve uma expressão séria porém terna. Algo o fez acreditar que deveria sentar-se na cadeira de fronte ao birô do governante. "Sou Tomé Cavallaro, filho de Guilhermina Cavallaro, magizoologista-veterinário", se apresentou, tenso. "Venho aqui comunicar algo que aconteceu hoje mais cedo, na minha clínica em Monte Nevado. Vim o mais rápido que pude", juntou as pontas dos dedos, recostando-se na cadeira. "Seu filho, Victor, veio à minha clínica a fim de curar uma cobra acidentada que havia encontrado na rua. Tudo estava bem até um homem encapuzado invadir o local e nos paralisar. Ele imobilizou Victor e aparatou com ele", franziu o cenho sutilmente. "Não pude defendê-lo de maneira alguma, pois estava paralisado e o homem tinha uma varinha contra a garganta de seu filho a todo momento", meneou a cabeça, desapontado consigo mesmo. "Eu sinto muito, senhor. Me ofereço inteiramente na busca para encontrá-lo. Victor foi um colega de escola e eu o conhecia, apesar de muito pouco", relembrou. Era nobre o bastante para arriscar-se pela vida de entes queridos. Esperou sua resposta, tentando formar uma descrição válida do bruxo caso fosse inquirido sobre a tal.

O caso do farias desaparecido

"onde estará victor farias?"

Cada minuto que passou enclausurado naquela sala não fez nada além de afogá-lo mais fundo ainda em aflição. Aquela sensação gélida percorria sua espinha logo antes de irromper-se em seu peito, o que o fazia umedecer os lábios, apreensivo, de cinco em cinco minutos. Percebendo o homem à sua frente arquear as sobrancelhas de maneira sutil numa reação levemente repreensiva, o rapaz fez questão de levantar-se, desculpando-se por sua distração. Havia se esquecido de quaisquer normas sociais num momento de aflição como aquele. Preocupou-se no líder o considerar alguém acomodado, algo que de fato não renderia uma boa imagem para si. Sua mãe não o havia educado para faltar com cortesia. O observou conjurar seu patrono, atento ao que ocorria. Uma mamba-negra — um de seus ofídios favoritos, coincidentemente — saltou da ponta de sua varinha, rastejando, luminosa, até a porta de saída. Decidiu não comentar o acontecimento, mantendo-se calado até ter sua atenção chamada de volta para o homem mais velho. "Há uma ou duas horas. Eu vim correndo avisar", mencionou. Lembrou-se de sua irmã. Teria de levá-la ao clube hoje — ela deveria estar irada, enfiada em suas botas apertadas de equitação que teve todo o trabalho de calçar para nada. Pressionou os ossos nasais, numa tentativa falha de acalmar-se.

Tomé gelou com sua proposta, que sabia que viria. E se esquecesse de mencionar algo importante? Era tudo tão recente, mas a cena parecia perder-se por entre seus pensamentos, incerta. "Eu estava mergulhando a cobra, explicando para Victor os detalhes do tratamento", tentou projetar a cena em sua mente, como se por um cinematógrafo. "Estávamos discutindo sobre a a parte financeira e, de repente, ouvi-o proferir o feitiço e então... foi como se tudo tivesse parado. Qualquer movimento que eu tentava fazer era lento demais", narrava nervosamente. Passou a mão pelos cabelos, pensativo. Oh, sim. Os cabelos. "Ele começou a... fazer carinho nos cabelos de Victor", franziu o cenho, demonstrando confusão. Relembrar aquela cena o causou uma certa repulsa. Demonstrou em seus próprios cabelos, de maneira ilustrativa. "Assim. Como se...", suspirou numa pausa. "Como se não quisesse fazer aquilo. Não sei, poderia estar zombando de sua vulnerabilidade, também", cruzou os braços, preparado para continuar sua narração, até ser interrompido pelo ranger da porta. Um rapaz alto e de semblante sério adentrou o cômodo. Cumprimentou-o de volta com um gesto de cabeça. Ah, então era ele quem a cobra tinha ido buscar. Tinha de ser alguém importante o suficiente para ter sido chamado. Cumprimentou-o, sua expressão sempre séria. Assentiu para o presidente após sua demanda.

"Era um homem, presumo. Encapuzado, vestes negras, a voz um pouco rouca. Nos imobilizou e tentou aparatar com Victor. Falhou algumas vezes, mas acabou conseguindo, sem deixar rastros", suspirou mais uma vez, desapontado. "Sua varinha, sua varinha... Nunca vi alguma como aquela. Quando não conseguiu aparatar, ele ameaçou Victor a encostando em seu pescoço para que eu não fizesse nada. A varinha era instável, imagino que possa ter o núcleo de cabelo de curupira. A madeira, abeto ou sicômoro, pela teimosia", engoliu em seco. Tentou relembrar mais algum detalhe. "Oh, sim. No final ele me agradeceu. Agradeceu a minha "colaboração". Ele mencionou algo, algo que achei esquisito", franziu as sobrancelhas. "Ele disse... nós. Minha colaboração seria lembrada por nós", cerrou os olhos. Tomé suspirou por uma última vez. Era uma vida que tinha em mãos.

O caso do farias desaparecido

"onde estará victor farias?"

Estar naquela sala, rodeado por seguranças e pessoas de estimada importância para a sociedade bruxa o fazia estremecer, por vezes, como um terrier raquítico jogado aos leões. Já havia contado toda a história, isto era fato. Sem gaguejar, por mais difícil que houvesse sido conter os constrangedores efeitos dos picos de cortisol. O rapaz ajeitou sua posição na cadeira por mais uma vez antes de perceber o quão nitidamente preocupado estava o presidente. Por mais que não externasse muitos de seus sentimentos, tomar conhecimento de que um filho seu está numa situação como aquela deixaria qualquer pai em são juízo transtornado.

Sua atenção se voltou ao auror presente na sala. O tal parecia ser alguém de confiança para o governante, que não hesitou em passá-lo uma pilha de ordens para que seguisse nos momentos seguintes, todas aceitas rapidamente pelo ávido rapaz. Observou o bate e volta dos dois em silêncio, processando os fatos em sua mente inquieta. Engoliu em seco no momento em que sua atenção foi chamada pelo auror-chefe, o qual se tornou seu ponto de foco visual a partir daquele momento em diante. Sua voz grave o inquiria em relação ao acesso de suas memórias. Assentiu, congruente. "Sim, sim, com certeza", compactuou com sua ideia. Somente um Obliviador poderia revelar a verdade autêntica e intocada do ocorrido, acessando suas memórias num estalar de dedos através do exercício de seu dom admirável.

Tendo a reunião entre os três chegado ao fim, Tomé levantou-se devagar de sua cadeira, cumprimentando o Sr. Farias com um aperto de mão solene. "Vamos encontrá-lo, senhor", afirmou, numa tentativa de assegurar a confiança do presidente de que seu filho retornaria para casa, são e salvo. Se colocar em seu lugar por um momento permitiu com que pudesse acessar toda aquela mescla de dor e frustração que se propagava pelo peito do Farias, e uma onda de piedade o comoveu a ponto de convencer a si mesmo de que traria o garoto de volta aos braços de seu desolado pai.

Tinha de encontrar Victor, isto era fato. As entrelinhas da história, no entanto, o perturbavam. Devido a sua natureza audaciosa e de constante teimosia, não descansaria até que se findasse seu capítulo final. Não temia o ato de arriscar sua vida por outrem — não que o concebesse como algo admirável ou meritório, mas, simplesmente, uma atitude conforme e decente vinda de sua parte. Tornou a seguir o auror-chefe para fora da sala, a todo o tempo acompanhados pelos profissionais de segurança. Não sabia para onde iria, mas não era isso que importava naquele momento soturno. Discorreu sobre o processo que ocorreria em seguida, apenas confirmando internamente o que supunha. Era algo intrusivo, sim, mas devidamente necessário, e estava disposto a correr riscos na tentativa de salvar uma vida.