Estava quase decorando a agenda de Ares enquanto tentava acoplá-la a sua. Tivera tempo para se preparar devido a quantidade de dias entre o aviso de ausência e o início desta, mas ainda assim não era exatamente fácil assumir o comando da corte. Lembrando da famosa frase de Stephen Hawking que dizia que a inteligência é a capacidade de se adaptar às mudanças, passou a ver aquela tarefa como um desafio, e mesmo sendo seu segundo dia tomando frente de todas as tarefas e casos de ambos, não estava encontrando tantas dificuldades assim. Além disso, se a situação ficasse apertada, ainda mais com todos os planos que tinha para dar andamento ao grande calo nos pés do presidente, poderia contar com a ajuda de Lira, a quem sabia que podia confiar não somente por ter apoiado o chefe no plano de derrubar Farias, mas por tê-la conhecido e lido melhor com o passar dos dias. E pouco após o relógio de pulso anunciar o horário marcado para recepção do novo membro da Suprema Corte, ouviu as batidas suaves em sua porta seguidas de um pedido de licença. Deu uma última checada no bule de café e fechou as agendas antes de responder a voz desconhecida. — Pode entrar. — Avisou, dando uma última checada no nome riscado com um grande círculo ao redor. Só poderia ser Ian Ruzzo, o contato de Ares que havia trocado de setor.

O homem adentrou a sala com um terno que aparentava ter sido cuidadosamente passado. Os traços indicavam que ele não deveria ser muito mais velho do que Camélia, e apesar da seriedade, a mulher estava curiosa em saber o motivo de ter atraído tamanha atenção de seu chefe para ganhar um destaque rabiscado em seu nome. Imediatamente destravou a chave do seu dom, fazendo um pequeno esforço para ler as emoções do recém chegado. Ela o encarava com a seriedade e falta de expressões emotivas em sua face, curiosa para saber como ele se portaria em frente a ela. Seria muito bom saber logo de cara se era mais um aliado ou se Ares, em sua ausência, a estava testando novamente. Ficou em pé, deixando os dedos das mãos apoiados sobre a mesa sem de fato deixar o tronco cair para frente. — Boa tarde, senhor Ruzzo. Fique à vontade. — Assim que disse, permaneceu daquela forma até ver o homem fechar a porta da sala e se sentar em sua frente. — Aceita um café? — Abriu a primeira gaveta e retirou duas xícaras limpas de forma impecável e as deixou sobre a mesa, servindo o homem e em seguida servindo-se também. Feito isso, sentou-se novamente, deixando que seus olhos se encontrassem. — O senhor Rayleigh não lhe avisou de sua ausência? Por enquanto, os assuntos da corte estão em minha posse. — As palavras tinham um gosto ainda mais saboroso que o café que ela bebericou em seguida, visto que era a primeira vez que dizia em voz alta sua função temporária.

As primeiras observações foram acerca da postura tomada pelo homem ao ser pego de surpresa pela informação, seguidas de uma série de avaliações silenciosas sobre leituras corporais tentando identificar como ele reagiria ao fato de ser orientado, mesmo que por um curto intervalo de tempo, por uma mulher, e se para ele seria um problema a ausência de Ares. — Oh, quanta indelicadeza de minha parte! Seja bem-vindo à Suprema corte, Ruzzo. — A frieza não ficara de fora da conversa desde que se iniciara e sequer se ausentou durante as boas vindas, mas não sentia que deveria ser sorridente ou sequer se forçar a parecer feliz com a presença do homem em sua sala. Ele poderia vir a ser uma excelente ajuda, mas por hora era somente um desconhecido que ainda precisaria de um tempo para achar seu lugar naquela corte onde pouco era dito, o mínimo era expressado e as pessoas não eram calorosas de forma geral em sua convivência. A falta de sentimentalismo era essencial para que as decisões fossem tomadas com base na lei e somente nela. Para momentos de grande emoção havia os julgamentos, e eram emoções limitadas, por assim dizer. Bebeu mais um gole de seu café, esperando o novo colega se pronunciar.

Não seria correto dizer que Ian havia sido uma surpresa boa, pois se surpreender implicaria em ter uma expectativa superada, quando na verdade não houve uma. Para além disso, sua postura já era aguardada para um membro da Suprema Corte, o que apenas confirmava que não havia uma novidade em seu modo de se expressar física e oralmente. Era, entretanto, agradável como companhia. Não via nela uma competição, e se pudesse arriscar, diria que o próprio ainda estava absorvendo as novas informações. Com Camélia também havia sido assim, mas ela sempre fora tão fria que provavelmente ninguém havia percebido o fato de ela sentir como se tudo aquilo fosse um sonho, como se ela não fosse de fato um membro oficial da Corte. Para quem vem de origem complicada ou passou por alguma grande provação, chegar a um cargo de tamanho e relevância como este era tão satisfatório que as vezes não parecia real. Não sabia e até então nem mesmo queria saber sobre o passado do homem a sua frente, mas saber que ele chegara de forma humilde, vasculhando o terreno antes de chegar marcando território como o típico homem imaturo e egocêntrico que sempre tivera tudo em mãos. Os elogios dele a ela foram verdadeiros, ela sabia por estar com o dom "ativo", mas como ele poderia ter tanta certeza da escolha de Ares se não sabia sobre ela mais do que o nome e o sobrenome. Se ateve a isso naquele primeiro momento, deixando com que as costas repousassem sobre o encosto macio de sua cadeira. — Meus precedentes, senhor Ruzzo? Adoraria saber o que exatamente o fez dizer que fui uma excelente escolha. — O tom de voz apontava uma curiosidade genuína que ela fez questão de expressar, mesmo que a face continuasse séria.

A expressão de boas-vindas havia sido agradável para o homem. Ao menos foi o que ele fez parecer quando disse estar "muito agradecido". Ela ignorou sutilmente o assunto bebericando de seu café e deixando o silêncio se instaurar na conversa. Parecia menos rude do que dizer a verdade que consistia em um alerta de que talvez aquele fosse o único, que talvez no máximo o próprio Ares diria algo em seu retorno. De qualquer forma, o momento acabara sendo útil visto que fora a brecha certa para que o homem a surpreendesse realmente dessa vez. Diferente de qualquer assunto ínfimo como falar do clima ou perguntar sobre sua sala, ele fora pontual ao dizer o sobrenome que interessava Camélia mais do que qualquer outra coisa nos últimos tempos: Farias. Fora uma fala com um aglomerado de informações importantes, como o fato de Ian ter trabalhado como diplomata bruxo e o fato de haver cartas antigas exigindo retratações do presidente da instituição sobre o discurso polêmico feito pelo mesmo. Bebericou o café novamente, percebendo que o chefe, mesmo ausente, era deveras inteligente. Havia trazido para a corte um aliado com informações úteis para causar uma boa agitação se suas informações fossem utilizadas de forma correta. A xícara em seus lábios ajudara a disfarçar o sorriso satisfatório que se formou em seus lábios ao ouvir tais palavras. Se suas suspeitas acerca do líder da COMASUL estivessem corretas, aquele poderia ser o empurrão inicial que serviria como justificativa para solicitar, dessa vez de forma oficial, a ficha de Ricardo Farias. Ruzzo parecia não saber, mas estava entregando a Camélia o ouro do bandido.

Antes de dizer qualquer coisa, Torres abriu a gaveta mais uma vez, retirando de lá a sua varinha. Vinte e dois centímetros, rígida assim como sua dona. Apontou-a para a porta calmamente. — Abafiatto! — Disse finalmente, apenas para garantir, deixando a varinha em sua mão direita caso precisasse voltar a utilizar desta. Tornou a repousar a coluna sobre o tecido macio da cadeira e encarou o homem com os olhos brilhando em euforia. — Senhor Ruzzo, creio que trouxe a este diálogo uma pauta muito interessante. Confesso que sequer lembrava-me desse ocorrido, todavia este é o momento ideal para voltar a tona. Vejo que sua colocação não foi em vão, por isso irei permitir que me diga o que tem em mente frente a situação. Talvez este venha a se tornar seu primeiro ato como membro de tão honrosa corte. — Ao findar a frase e abrir espaço para que o homem expusesse seus planos, a loira sorriu. Não fora um grande sorriso, desses que exibe dentes e expressa alegria, e sequer havia sido para ele, embora aparentasse. Sorrira porque aquilo era exatamente o tipo de coisa que traria a distração certa se ela estivesse certa sobre as pistas que havia descoberto poucos dias antes, e que agora mais do que nunca estava prestes a colocar em prática. Não estava usando Ian, mesmo que o estivesse o incentivando a ser útil aos planos dela mais do que propriamente estabelecer pequenas punições ao chefe da COMASUL por uma fala terrível, mas muito antiga para o alvoroço que ela precisava. Ainda assim, se ele quisesse fazer algo a respeito, teriam um motivo legítimo para capturar dados acerca de Farias e de sua vida, e esse seria o disfarce perfeito de forma dupla: primeiro porque seria imediatamente interpretado pelo egocêntrico homem que a Suprema Corte estava trabalhando baseada em migalhas e que não teria nada sólido contra ele, e em segundo lugar por ser exatamente a justificativa oficial para as informações que seriam coletados. Qualquer caso contra o presidente faria com que fosse autorizado o acesso a sua ficha na seção dois, permitindo que as informações as quais Camélia teve acesso de forma camuflada viessem à tona sem, de fato, deixar em alerta o homem descrito nesta. A sensação de que as coisas estavam se encaixando era tão saborosa quanto aquele café que ela voltou a tomar enquanto o homem formulava sua ideia diante dos olhos atentos dela.

rp fechada!

seu desejo é uma ordem!