Ao contrário do último encontro com um freelancer, Diego tinha certeza do que estava fazendo quando deixou a nota no Leviatã. A urgência que o dominava era completamente diferente daquela ansiedade por dar um fim no recém-nascido quando, em agosto, fora em busca do irmão da mãe de Rivaldo. Na época, o bebê não tinha um nome, ainda dormia numa mistura de travesseiros e cobertas ao lado do varinhologista e era órfão de mãe e pai, visto que a Kaefer em nenhum momento tinha revelado quem a engravidara. Diego não tivera tempo para encontrar tantas respostas.

Agora, quase três semanas depois, Riva tinha um nome, um quarto próprio e uma dúzia de sonhos já planejados pelo varinhologista a cada noite que despertava para atender os anseios do recém nascido. Diego não era seu pai biológico e, literalmente, não lhe foi permitido desenvolver o amor ao longo dos nove meses que Raíssa o carregara, mas, àquela altura, seria uma das mais deslavadas mentiras retirar a paternidade do Reitz. O próprio destino se encarregara de pôr o filho em suas mãos. Não podia perdê-lo, não assim e muito menos sem saber as verdadeiras circunstâncias de como havia acontecido.

— Me falaram que você é bom para encontrar pessoas. — Comentou, não mais do que um sussurro, ao reparar na aproximação do desconhecido. A frase serviu para atrair a atenção do jovem, que, ao invés de sair de perto do claro convite à complicação no princípio daquela madrugada, manteve-se por perto. Diego subiu a mão até a testa, escorregando os dedos entre os fios curtos e pretos, o disfarce que já o deixava familiar no bar, em meio a tantos criminosos salpicados de sangue de galo. Era ótimo que alguém tivesse mordido a isca. — Eu posso pagar o seu preço.

O Guimarães podia estar a centenas de quilômetros do oceano, mas, naquele instante, sentia o mar ecoando ao seu redor. O repuxo da maré envolvendo seu corpo, empurrando-o cada vez mais profundamente no mar revolto. A sufocante sensação de estar submerso, sentindo a pressão insistente nos ossos de sua mandíbula, um “clique” dolorido no fundo de suas orelhas. Temeu estar surdo, mas, mesmo naquela cacofonia, podia ouvir. O cérebro que demorava a entender os sons que o rodeavam. O balanço fictício do oceano também tirava-lhe o equilíbrio. Diego não reconhecia os próprios membros ou talvez fossem estes que se recusavam a obedecê-lo.

O chão, no entanto, estava ali. Surpreendentemente próximo, pressionado contra sua bochecha. O cheiro de sangue também estava presente, invadindo suas narinas e fazendo um gosto ocre remexer-se em sua garganta. Absolutamente tudo estava errado naquele cenário. O varinhologista não conseguia lembrar os motivos primeiros que o haviam trazido ao Beco do Padre, tampouco o que acontecera para estar jogado no chão, retirando um chumaço de pelo pintado de sua forma animaga da própria língua. A sensação de perda, um luto misturado com culpa, ainda aprisionava seu coração, mas era empurrado para o fundo da sua mente pelo aspecto prático. Ele tinha algo importante para resolver, caso de vida ou morte, mas sua cabeça estava em branco. O barulho que o cercava finalmente foi identificado por seu cérebro como gritos de pânico, feitiços sendo trocados e o tão próprio som de estalar de aparatações desesperadas.

Ergueu-se do chão, sentindo o corpo protestar pesado frente aos seus movimentos e falhar. Não estava exatamente dolorido, a adrenalina encarregava-se de fazê-lo desperceber o pescoço úmido de sangue, mas era evidente que não estava certo. Diego simplesmente não estava em condições de entender o que estava acontecendo e, menos ainda, tentar proteger-se naquele fogo cruzado. Os feitiços, assim como as balas ditas perdidas, sempre encontram uma direção. Desta maneira, fechando os olhos até enxergar minúsculos círculos roxo esverdeados a bailarem nas pálpebras cerradas, o Reitz concentrou-se no seu corpo deitado e mentalizou a segurança do seu quarto. E, num vórtice que estendeu e revirou do avesso seu corpo já maltratado, Diego sentiu-se aterrissar entre travesseiros espalhados, em seu quarto.