✯A sensação que rondava Mavis era a de que tinha dormido por no mínimo uma vida. Não sabia se estava cansada demais pelos estudos ou se sua falta de atenção para com as coisas ao seu redor tinha piorado tanto que ela já nem se ligava mais na passagem dos dias ou no que estava fazendo durante eles. Se fosse parar para pensar, descobriria que não conseguia mesmo contar os detalhes de cada coisa que havia feito até a hora de dormir nas últimas semanas. Era como se estivesse vivendo no modo automático. O mais estranho é que sequer sabia por onde andavam seus familiares. Já não se lembrava da última vez que havia tido uma conversa decente com o gêmeo ou com a prima que considerava ser sua melhor amiga. E nem podia se falar da garota por quem tinha começado a nutrir um certo sentimento nas férias. Malvina tinha sumido de suas vistas sem nem dar notícias. Sabia que a passagem de tempo era diferente para uma meio humana… Mas mesmo assim, por vezes se pegava pensando se ela ao menos se encontrava viva. O fato é que todos pareciam ter se afastado quando tinham prometido que iriam se aproximar novamente, custasse o que custasse.

Talvez por esse motivo é que a Bedoya estivesse procurando coisas para ocupar sua mente. Era mais fácil se encher de tarefas ao ponto de estar tão exausta que só conseguia pensar em dormir do que pensar em formas de tentar consertar o que parecia não ter jeito. A única preocupação que continuava em volta da morena, era o seu irmão, que continuava ausente e remarcando os treinos de quadribol de forma incessante. Não conseguia encontrá-lo nas aulas, muito menos nos corredores e esse tipo de comportamento não condizia com o Matteo que ela conhecia. Os finais de semana costumavam ser os piores, já que eram livres de aulas e consequentemente não havia mais nada que ela pudesse fazer. No entanto, naquele dia em especial, não se deixou abalar pelos problemas familiares ou até mesmo escolares, apenas se levantou pouco antes do almoço — como de costume para uma pessoa extremamente preguiçosa —, tomou um bom banho para afastar o calor infernal, vestiu as roupas mais leves que encontrou e saiu do quarto sem olhar para trás.

Com a fome recorrente pela falta de café da manhã, Mavis devorou o almoço que tinha posto em seu prato num piscar de olhos. Nem se deu ao trabalho de puxar papo com os colegas de mesa, encontrando na comida algo mais do que satisfatório para ocupar o mínimo de tempo que fosse. Só voltou a ser minimamente social quando o falatório durante a refeição se sucedeu ao descanso pós-almoço. Até que estivesse tão quente no ambiente que ela escolheu se levantar e procurar outro lugar para ir. Como sempre, não prestou muita atenção para onde estava indo… Até se deparar com os Moinhos. Foi inevitável não sorrir quando algumas lembranças a tomaram assim que pôs os pés no píer. Os momentos que havia tido com seu gêmeo naquele lugar sem dúvida foram os melhores. Estava tão imersa em seu mundinho que demorou um par de segundos a mais para notar que o lugar não estava vazio. E alguns mais para perceber que a pessoa ali era um dos seus colegas de time.  — Ei, Thiago! — Chamou a atenção do mais novo, sem deixar de sorrir. — Nossa, faz um tempão que não te vejo… Desde o último treino de quadribol? — Franziu o cenho, tentando se lembrar, mas era realmente ruim com datas e esse tipo de coisa. E se bem se lembrava, perto do último treino também tinha vivido uma pequena aventura ao lado daquele outro. Se arrepiava só de lembrar do episódio com as Caiporas, até hoje tentava evitar um encontro com as criaturas, tamanho era o medo de ser reconhecida ou algo do tipo.

✯Um sorriso divertido tomou os lábios da Bedoya. Estava acostumada a ser ela a pessoa ruim de memória e achava ligeiramente engraçado encontrar alguém tal como ela quando o normal era ter sua orelha sendo puxada por ser tão desleixada com absolutamente qualquer coisa que envolvesse suas vivências e memórias. — Nem me lembre disso, fujo das Caiporas até hoje... — Se arrepiava só de lembrar naquele perrengue e de como ela havia sido burra em alguns momentos. Balançou a cabeça, afastando os pensamentos, não fazia sentido nenhum ficar se lamentando pelo que já tinha passado. Só poderia aprender com seus erros. — O balaço? Aquilo não foi nada! Já sofri coisas piores. — Que ela nunca poderia contar. Ser um aluno de Castelobruxo era o mesmo que estar constantemente sendo posto em perigo, ainda mais quando se fazia parte dos alunos que não conseguiam segurar a própria curiosidade e acabam se metendo em mais problemas do que o esperado. — Quanto a como estou, meio cansada! Os últimos anos nessa escola são os piores e melhores ao mesmo tempo, mas você vai descobrir isso depois. — Lançou uma piscadela, deixando no ar se estava brincando ou não. — E você? Como está? — Devolveu a pergunta, não se esquecendo da educação que sua mãe havia lhe dado.

E então ela suspirou quando o assunto se voltou para algo que vinha incomodando ela fazia algum tempo. Por um momento tinha tido a felicidade de esquecer como os laços que envolviam sua família parecia estar se desfazendo diante dos seus olhos. É claro que com o gêmeo ela sempre teria uma ligação, mas não conseguia ignorar o fato de que estavam tão afastados quanto no começo do ano, quando ela tinha deixado ele de lado para apoiar sua prima e melhor amiga. Parecia fazer um século desde aquelas briguinhas bobas de adolescente e na verdade… Estava tão perdida em devaneios que foi por um fio que não notou o sinal de Thiago para que se sentassem na beira do píer. Até ali não tinha notado o quão cansada estava e não se demorou muito em seguí-lo, tomando o espaço na sombra ao lado do garoto. — Sinto não ter resposta para todas as suas perguntas. — Moveu os ombros levemente, como se pedisse desculpas por aquele fato. — Ele tinha tirado um tempo para ficar com o meu pai e eu não fui porque… Bem, problemas familiares. — Evitou dar detalhes porque era outro tópico que a machucava bastante, mesmo que já fosse uma história mais do que antiga. — E então as coisas ficaram estranhas e ele parou de responder minhas mensagens com frequência. Não entendi muito bem o que está acontecendo, faz tempo que tenho procurado ele, mas simplesmente não o encontro! Ele não parece estar na escola, nem em lugar nenhum. Também não consigo entrar em contato com meu pai para saber dele. — Explicou brevemente, deixando de lado o fato de que não era só o seu irmão que estava sumido.