O ano de 2020 estava sendo uma loucura até o momento. Não apenas contando os casos que balançavam o Brasil mágico, mas principalmente na minha vida. Após alguns acontecimentos em maio deste ano, o trabalho se tornou uma farda que eu sentia a necessidade de carregar.  Eu me senti obrigada a dar meu melhor todos os dias, provar para mim mesma que sou digna de levar o título que tinha me sido entregue. Porém, assim fazendo, deixei as necessidades do meu corpo de lado. Por mais de um dia eu me vi trabalhando além do horário, passando noites sem dormir preocupada com revisões a serem feitas, comendo menos e em horários muito espaçados. Com isto acontecendo de forma constante, meu corpo não aguentou. Passei a ficar enjoada, fraca, com dores de cabeças que não sessavam. Assim, em julho, fui obrigada pela minha própria saúde a me afastar do trabalho em prol de melhorar. Passei um bom período em casa, meditando e lendo livros de histórias. Meus gatos e minhas plantas me ajudaram a ocupar o tempo, e as despesas foram cobertas com facilidade pelo dinheiro que eu possuía em reserva. Desta forma, depois de dois meses de descanso – e de muito tédio -, eu me vi pronta para retornar ao escritório.

Portanto, no dia 15 de setembro, eu me via acordada antes mesmo do despertador tocar. Banhei-me e me maquiei, como eu fizera raramente nestes últimos meses. Alimentei os gatos, tomei meu café da manhã e saí de casa para aparatar para a Capital. Tinha feito este mesmo percurso algum tempo atrás, para dar um passeio. Desta vez, porém, me direcionei até o prédio da COMASUL, e tive que conter um pequeno sorriso ao atravessar as portas. Parecia que tudo estava se encaixando, que as coisas finalmente voltavam ao normal. Assim, buscando manter minha animação em um nível aceitável, fui até a segunda sessão.

Chagando lá, fui recebida com um grande sorriso pela recepcionista. A cumprimentei, com um sorriso de mesma intensidade, mas não passei muito tempo conversando com ela. Afinal, se tinha um lugar que tinha saudades naquele prédio era a minha sala. Um canto confortável e decorado com meus gostos, com janelas grande, poltronas confortáveis e muitas plantas. Desta vez, não pude conter o sorriso de aparecer em meu rosto ao adentrar a sala. Estava perfeitamente do jeitinho que a deixei, organizada e cheirosa. Segurei-me para não saltitar até minha cadeira e me largar nela com desleixo. Liguei meu computador e, com um breve suspiro, me pus a trabalhar.

Não precisou de muito para que eu me acostumar novamente ao ritmo do trabalho. Revisão de planilhas, revisão de documentos, fichas e mais fichas. Conversei com algumas pessoas, as quais fiquei muito feliz em rever, sobre organizações que seriam necessárias para a semana. Eu mal pude ver o tempo passar, e logo já era o horário de almoço. Resolvi descer e caminhar até o Magia Escrita para um bom lanche e esvaziar os pensamentos, antes de retornar e voltar a pegar no pesado. Assim foi até dar o horário de saída, a qual eu não me abstive em deixar tudo para o dia de amanhã e seguir em frente com meu dia, tornando a casa. Fora um dia não muito puxado, perfeito para um retorno a um ritmo de labuta.

Mais um dia começara da forma mais clássica possível: Comigo adentrando o prédio da COMASUL em um adorável vestido azul de mangas fofas. Estava calma, mesmo que ainda feliz de estar de volta ao trabalho e de estar cuidando de mim mesma. Sabia que o dia de hoje seria puxado, tendo várias pendencias a serem resolvidas. Pessoas com quem eu deveria falar, documentos que precisavam ser revisados, verificações de pessoas que gostariam de retirar documentos... Seria um dia lotado. Com isso rondando meus pensamentos, me direcionei a sessão dois.

Como sempre, cumprimentei a recepcionista com um agradável sorriso e um bom dia e me encaminhei para minha sala, onde fui recebida por meu assistente – Adrian, um rapaz pouco mais novo que eu- com alguns documentos a serem revisados. Contive um leve suspiro, dei bom dia ao rapaz e foquei minha atenção no que precisava ser feito. Sentei-me em frente ao computador, que me informou a data – 16 de setembro - e comecei a der e organizar tais documentos.

Depois de algumas horas, recebi a visita de alguém da suprema corte que buscava algumas fichas para a resolução de um caso. Abri um formulário para ele e o questionei quanto suas intenções com as fichas. Este sempre era um processo cansativo, pois eu tinha que ter certeza de que os registros não estariam em mãos erradas a nenhum momento, mesmo que fossem permanecer com membros da COMASUL. Por fim, tive que pedir a assinatura de seu supervisor para que pudéssemos prosseguir. Quando isso foi obtido, pedi a Adrian para que trouxesse as fichas e dei ao responsável todas as indicações sobre como manuseá-las de maneira correta.

Com isso, a manhã passara rápida e cansativamente, e pela hora do almoço eu resolvi pegar a marmita que havia preparado e sair para caminhar pelas ruas da Capital. Acabei parando em uma praça repleta de flores e almoçando por lá, buscando relaxar e esquecer um pouco do trabalho antes de voltar ao meu agradável escritório para mais problemas a serem resolvidos.

Diferente do que eu imaginara, a tarde não foi tão corrida quanto a manhã. Não é como se eu pudesse relaxar, mas tive mais tempo para fazer as coisas entre uma atividade e outra. Sentei-me em frente ao computador e fiquei por horas me certificando de que todos os arquivos novos feitos desde o dia em que eu saí estavam em seus devidos locais dentro das classificações da biblioteca e, mais importante, seguros.

Por volta do meio da tarde, tive uma reunião com os principais redatores para organizarmos as atividades até o final do mês, além de me integrar nos acontecimentos passados durante minha ausência. Foi uma reunião chata, mas necessária, e eu tentei fazê-la mais agradável pedindo que meu assistente trouxesse comes e bebes para todos. Afinal, é melhor participar de uma reunião entediante se estiver se deleitando com croissants. Assim, foram definidas novas formas de organização de sistemas, além de continuar utilizando os antigos e seguros meios que nós já utilizávamos, e foi importante poder ver em que pé cada um dos redatores estava.

Finalmente, assim que o relógio marcou o horário da saída, eu não hesitei em arrumar minhas coisas e sair, me despedindo de meus colegas enquanto o fazia. Parte de mim gostaria de ficar no escritório e terminar de organizar as coisas para o dia seguinte, porém eu sabia que um tempo ocioso era mais do que necessário. Assim, logo que saí do prédio da COMASUL, procurei uma rede de pó de flu para retornar ao meu confortável apartamento, onde eu estava sendo esperada por dois gatos carentes de atenção. Troquei de roupa, deixando minhas vestimentas do dia para trás e vestindo um confortável vestido de malha vermelho, usado para relaxar. Preparei um copo de chá, larguei-me no sofá, liguei uma agradável música e peguei um livro para ler, deixando que meus gatos se deitassem ao meu lado e sob meu colo. Depois de um longo dia no trabalho, era bom poder tirar um tempo para mim.

Meus dias pareciam ter uma rotina definida, e isso tinha seus prós e contras. Meu corpo estava muito bem acostumado a acordar no mesmo horário, assim como a comer e a ir dormir. Isso era ótimo, pois me mantinha ativa exatamente nas horas em que eu precisava. Mas, ao mesmo tempo, era fácil de eu me entediar com algo que teria que fazer, por todos os dias eram praticamente iguais. Aquele, portanto, não era muito diferente. Eu estava em meu escritório no período da manhã, um copo de café fumegando em minhas mãos, enquanto eu encarava o computador e observava os afazeres do dia, listados em uma tabela muito bem organizada. Seria o costumeiro conversar com redatores, organizar seus horários e, quem sabe, falar com alguém sobre retirada de documentos. Se sim, isso seria o ponto mais emocionante do meu dia! Mas era raro.

Passei algumas horas pela manhã organizando planilhas e revisando o sistema. Nada de novo, nada de errado. Estava tudo funcionando conforme o devido. Emocionante. Chamei os redatores um por um para meu escritório para perguntar-lhes sobre seus trabalhos, falando sobre possíveis mudanças. Alguns me deram sugestões valiosas, outros deixaram a desejar. Mas eu confiava nesse time, e sabia que eles tinham a capacidade de fazer tudo o que eu lhes pedia, além de serem bons gerenciando os registros. Eu os tratava firme e gentilmente, tentando ao mesmo tempo ser bondosa e mostrar-lhes que eu não estava para brincadeiras. Assim, sentia que eu tinha uma boa relação com todos de meu setor, mas não podia me considerar amiga de ninguém. A não ser com a secretária, Sandra, que era um poço de alegria e amabilidade. Ela gostava de passar algum tempo em minha sala, falando sobre coisas de sua vida, e eu gostava de ouvi-la. Portanto, passei meu horário de almoço a ouvindo falar sobre seus planos para o final de semana, enquanto comia o macarrão com almondegas que havia embrulhado para levar. Fora uma manhã atarefada, mas eu conseguira passar por ela sem uma dor de cabeça sequer.

Após o horário de almoço, Sandra retornou à recepção e eu me vi sozinha com meus afazeres novamente. Observei uma planilha que havia preparado para mim aquela manhã, e eu deveria me fazer presente para qualquer ocasião necessária. Suspirei, sem ter o que fazer por alguns minutos, e decidi abrir o Witchgram para me distrair um pouco. Tomei o cuidado de não curtir as fotos de ninguém do trabalho, pois mesmo que eu estivesse momentaneamente livre, gostava de parecer ocupada.

Passaram-se alguns minutos de rolagem de tela, quando ouvi alguém bater na porta. – Sim? – Guardei meu celular enquanto falava. “Licença, Cora, tem alguém querendo retirar documentos.” Concordei com um movimento da cabeça, e pedi para que ela me trouxesse a pessoa. – Boa tarde! – Falei, ao ver uma moça pouco mais nova que eu entrar minha sala. – Sente-se, por favor! Gostaria de um chá? – Ofereci, e recebi um não como resposta. Quem é que fosse aquela pessoa, estava levando seu trabalho a sério. Ela se apresentou como secretária da sessão 6, e dizia que precisava de alguns documentos específicos por conta de um caso que eles estavam trabalhando. Concordei, abrindo algumas fichas que precisavam ser preenchidas para tal retirada.

Eu sempre me sentia como se tivesse entrevistando a pessoa quando fazia o questionário da ficha. Era necessário ter precaução, nem todos deveriam ser capazes de retirar documentos oficiais, e eu deveria mantê-los protegidos. Tais perguntas ajudavam nisso. Elas eram tanto de cunho pessoal, como saber o número de identificação do indivíduo, quanto usadas para saber a intenção do uso dos documentos, perguntando detalhes da operação em que eles estavam envolvidos. Por fim, era necessário ter autorização de um chefe de sessão, alguém que seria o responsável final pelos documentos, sendo necessários seus dados e sua assinatura. Esta secretária se precavera, trazendo consigo os papeis necessários de Lira.

O questionamento e verificação era um processo demorado, tudo a garantir a segurança dos documentos guardados na biblioteca. Porém, não era impossível fazer uma retirada se necessário, e aquela moça conseguira. Saíra dali com cópias dos papeis que precisava para seu processo, e eu fiquei satisfeita com um método bem estipulado.

Depois de ter entregado alguns documentos, seguindo todo o protocolo de proteção, nada de mais interessante aconteceu naquela tarde. Eu já estava pensando em ir pra casa, sendo aquele o dia da limpeza. Era cansativo, trabalhar em período integral e manter um apartamento devidamente arrumado, mas me trazia prazer. Quem não gostava de chegar a casa e ter tudo limpo? Era um pequeno deleito que eu me permitia, à custa de uma vez por semana trocar meu tempo de lazer por algumas horas de limpeza.

Enquanto eu me distraía pensando em que ordem faria as arrumações, um de meus redatores adentrou minha sala. Ele fora um dos mais novos contratados, e, aparentemente, tinha dúvidas sobre um caso específico. Gostava como os membros de meu setor vinham até mim quando possuíam dúvidas, eu me sentia confiada. Sorri para o rapaz, e lhe disse que poderia contar comigo para isso. Fui com ele até sua escrivaninha e o auxiliei no preenchimento completo de uma ficha de famílias bruxas. Eu compreendi sua dúvida, e a solucionei, o ensinando como a resolver no caminho. Depois, pedi que ele preenchesse uma ficha fictícia, sem salvá-la no sistema, para que aprendesse com certeza. Assim que terminamos, eu lhe dei dois tapinhas sob o ombro como gesto de parabenização, antes de retornar ao meu próprio escritório.

Comecei, então, minha organização para ir embora. Guardei os papeis que espalhara sobre a mesa nas gavetas da escrivaninha, as trancando com uma fechadura mágica, que me acionava caso tentassem abri-la. Reguei as plantas que precisavam e guardei minhas coisas próprias na bolsa. Logo, meu relógio de pulso marcou o horário de saída, e eu não hesitei em ir embora. Havia sido um dia curto, mas intenso, e eu ainda havia muito a fazer quando chegasse em casa. Assim, me despedi de meus companheiros de sessão e saí da COMASUL, indo em direção a lareira que eu costumo usar como rede de pó de flu.