Em semanas tranquilas como aquela nada me trazia mais conforto do que ficar entre as prateleiras e clientes da loja - e claro, funcionários. Ainda mantinha um bom traço de timidez em minha personalidade, mas desde que tinha assumido a direção do estabelecimento, meus risos estavam bem mais fáceis e conversas mais alegres, apesar de ainda estar lidando com vários lutos e perdas internas - reais e não tão reais também. As vezes até me esquecia que estava a trabalho, e me via folheando livros das sessões de romance ou fantasias, vez ou outra ainda passeando pela ala infantil, geralmente quando Lucca vinha em meu pensamento, e já era sagrado eu chegar na sexta-feita em casa com um livro para o pequeno, incentivando a leitura desde cedo assim como papai havia feito comigo.

Apenas a camiseta social com o emblema da livraria é que me diferenciava de um cliente comum, e foi assim que uma senhora pediu minha ajuda em determinado momento, anunciando sua presença com um pigarrear, e só então me tirando do transe em que estava ao olhar as lombadas coloridas da sessão infantil - Ah, oi! Pois não? - Dei um sorriso leve para a mais velha ao virar meu corpo para o seu lado, demonstrando estar totalmente disposta a atendê-la. Seu olhar passeava entre as estantes e eu de forma meio perdida, e por não ter nada em seus braços mesmo estando ali a um certo tempo, supus que ainda não havia encontrado o que desejada. Dito e feito, a senhora estava atrás de um livro para crianças pequenas intitulado "O pelúcio cor-de-rosa", e como era de se esperar de idosos, não bastou me dar a informação necessária para que eu a auxiliasse, mas teve ainda que contar toda a história que a levou até ali: Tinha uma neta de seis anos que amava qualquer tipo de criatura mágica que tivesse pelo, e ao saber que havia um livro sobre um pelúcio rosa, é claro que incomodou a avó com quem morava até que esta lhe fizesse um agrado e prometesse comprar o tal livro. Apenas balancei a cabeça e sorri com a história, me identificando com a situação da mulher - Crianças são bem convincentes quando querem, né? - Tendo aquela abertura de conversa, a outra aproveitou para tagarelar mais sobre as peraltices da neta, e sem perder tempo percorro os olhos pela estante a frente enquanto vou concordando com tudo o que me era dito, por fim achando sem dificuldades o exemplar pedido na última fileira do mostruário, não deixando de pegar três outros produtos que compunham a série do pelúcio, voltando a falar mais alto meu espírito de vendedora escondido - Aqui está o livro. Na verdade, ele é o primeiro da coleção, depois temos "O pelúcio amarelo", "O pelúcio azul", e "O pelúcio lilás". - Um momento de silêncio segue enquanto ela analisa as outras capas, que eram tão brilhantes e espalhafatosas quanto o primeiro livro da coleção, embora só se alterassem as cores. A mulher hesita por uns instantes, e vejo ali minha deixa para falar - Esses livros vendem bastante, viu? As meninas adoram. Deu sorte hoje, são os últimos do estoque. - Não havia mentido, mas ela não precisava saber que logo no dia seguinte chegaria reposição da mercadoria, certo? É preciso que eu ouça mais uma história sobre a neta da mulher enquanto esta pondera se deveria levar apenas um dos livros ou a coleção toda, mas ao fim meus apelos funcionam, e a senhora resolve levar logo todos os títulos mostrados.

Sorrio satisfeita com a venda, e direciono a mulher em direção ao caixa vazio seguida por mais conversa furada. Alguém que tivesse pouca experiência com atendimento ao público poderia até se irritar com aquilo, mas por conviver muito com velhinhos e clientes tagarelas até que estava habituada com aquela falação toda. Habilmente calculo o valor da compra e digo para a outra, e enquanto esta pega em sua bolsa o dinheiro necessário, ocupo-me em embrulhar os quatro objetos para presentes com direito a embalagens brilhantes e laço delicado, um trabalho manual que não demora muito. Coloco-os na sacola com cuidado e entrego para a senhora enquanto esta me entrega o valor exato da compra, que é devidamente guardado na caixa registradora em seguida - Tenha uma boa tarde, e volte sempre! - Digo ao fim, e assim que a senhora sai pela porta central da livraria volto a rodear as estantes, atenta a nossos clientes que pudessem surgir.

notes: magia escrita ; tags: ft. npc; vestindo: calça preta e camisa social (uniforme); Thanks Maay From TPO.